Oxigénio no cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko
Para estudar o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko a Agência Espacial Europeia (ESA), de que Portugal é membro, lançou em 2004 a sonda Roseta. Desde Agosto de 2014 que esta sonda orbita aquele cometa e tem enviado preciosa informação sobre a constituição do mesmo.
Recorde-se que o nome da sonda é uma referência à famosa pedra de Roseta que, no início do século XIX, permitiu ao egiptólogo francês Jean-François Champollion descodificar os hieróglifos egípcios. Neste mesmo espírito descodificador, revelador do desconhecido, os cientistas da missão Roseta esperam que os dados por ela captados contribuam para que possamos compreender melhor o nascimento do nosso Sistema Solar. É que os cometas são “testemunhos” gelados dos primórdios do Sistema Solar e o conhecimento da sua composição física e química pode contribuir para validar, ou não, as teorias que temos hoje sobre o nascimento, formação e evolução do sistema planetário a que pertencemos.
Entre Setembro de 2014 e Março de 2015, o espectrómetro de massa ROSINA-DFMS, instalado a bordo da sonda Roseta, realizou medições dos gases da atmosfera do cometa. Estes dados foram estudados por uma equipa internacional liderada por André Bieler, da Universidade do Michigan (EUA), e revelaram que o oxigénio molecular (O2) é o quarto gás mais comum na atmosfera da cabeleira do cometa, a seguir à água, ao monóxido de carbono e ao dióxido de carbono. Os resultados dessas medições e a respectiva interpretação foram publicados na revista Nature da semana que passou (http://www.nature.com/nature/journal/v526/n7575/full/nature15707.html).
Esta descoberta é importante porque é a primeira vez que é descoberto oxigénio molecular na nuvem de gás (coma ou cabeleira) de um cometa. Antes disso, e além da Terra, só tinha sido encontrado O2 em duas nuvens interestelares e em luas de Júpiter ou Saturno.
Se as moléculas de oxigénio ainda não tinham sido detectadas noutros cometas, isso deve-se à dificuldade de o fazer a partir de espectrómetros instalados em telescópios. Foram precisas as medições de proximidade da Roseta para isso se tornar possível.
Como foi possível observar oxigénio molecular ao longo de vários meses de medições, confirma-se que “esta molécula está presente em todo o corpo do 67P e não apenas à sua superfície”, referiu em conferência de imprensa Andre Bieler, primeiro autor do artigo. Isto implica que aquando da formação do cometa, nos primórdios do nosso Sistema Solar, existiam condições para a existência de oxigénio molecular que foi incorporado na composição do 67P, há cerca de cinco mil milhões de anos.
A descoberta é “surpreendente porque o oxigénio molecular é muito reativo e não seria de esperar que se mantivesse durante tanto tempo”, disse em conferência de imprensa Kathrin Altwegg, investigadora na Universidade de Berna (Suíça) e co-autora do estudo.
Ainda segundo os autores do artigo agora publicado na Nature, a existência de oxigénio molecular nos primórdios do nosso Sistema Solar não está em concordância com os modelos comumente aceites para as condições existentes aquando da formação deste. O processo de formação do Sistema Solar teria de ter sido mais suave daquele estimado pelos modelos actuais.
Para Nuno Peixinho, investigador no Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, “uma das questões abertas quantos aos detalhes do modelo da formação do Sistema Solar é, precisamente, se durante a sua formação os gelos já existiam na nuvem da qual o Sistema Solar se formou, ainda antes do Sol se ter formado, ou se são subprodutos do processamento fisico-químico dentro desta nuvem. Ora se o O2 já existia nos gelos então é porque estes muito provavelmente já existiam na nuvem, pois se os gelos se tivessem formado mais tarde o oxigénio molecular não deveria ter sobrevivido. Isto traz consigo a possibilidade de os gelo de água ser muito mais comum no meio interestelar, isto é, no Espaço aparentemente vazio (mas que nunca o é) entre as estrelas e sistemas planetários da galáxia, e nas nuvens de formação estelar e posteriores discos de formação planetária. Consequentemente, tal aumentaria a probabilidade de existência de planetas extra-solares com água líquida.
Evidentemente, há que ser cauteloso com estas rápidas deduções, pois há muito efeitos físicos em jogo, grande parte deles com uma larga gama de valores e intensidade possíveis. Por isso mesmo há que aprofundar esta questão e há que intensificar o estudo dos corpos portadores dos gelos do Sistema Solar, como cometas e Objetos da Cintura de Kuiper, e o estudo laboratorial do comportamento dos gelos em condições de temperatura e pressão extremamente baixas e sob irradiação por partículas energéticas, tal como se estivessem no Espaço.”
António Piedade
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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