Registo | Contactos

Tolerância à malária através do controlo de ferro

14 Nov 2012 - 19h24 - 3.940 caracteres

Aproximadamente metade da população mundial encontra-se em risco de sofrer de malária e de desenvolver uma forma severa e, muitas vezes, letal da doença. Num estudo publicado no último número da revista Cell Host & Microbe1, Miguel Soares e o seu grupo (http://www.igc.gulbenkian.pt/research/unit/43) no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) (http://www.igc.gulbenkian.pt) descobriram que o desenvolvimento de formas severas de malária pode ser prevenido por um simples mecanismo que controla a acumulação de ferro nos tecidos do organismo infetado. Os cientistas descobriram que a expressão de um gene que neutraliza o ferro dentro das células, designado por H‑Ferritina, reduz o stress oxidativo prevenindo danos no tecido e morte do organismo infetado. Este mecanismo protetor pode servir como uma nova estratégia terapêutica contra a malária.

 

A malária é uma doença causada por infeção com o parasita Plasmodium. Uma vez infetados, os indivíduos ativam uma série de mecanismos de defesa que visam a eliminação do parasita. No entanto, estas estratégias não parecem ser totalmente eficientes em evitar as formas severas da doença e, eventualmente, a morte. Existe uma outra estratégia de defesa que confere tolerância à malária, reduzindo o grau de severidade da doença sem atingir o parasita, como demonstrado anteriormente por Miguel Soares e seus colaboradores na revista Science2. O estudo agora publicado na revista Cell Host & Microbe1 mostra que esta estratégia de defesa envolve a regulação do metabolismo do ferro no organismo infetado.

 

Sabe-se que a limitação da quantidade de ferro disponível aos parasitas pode diminuir a sua virulência, isto é, a capacidade de causar a doença. No entanto, esta estratégia de defesa tem um preço, nomeadamente a acumulação de ferro em tecidos e órgãos do organismo infetado. Isto pode conduzir a danos nos tecidos, potenciando a severidade da doença em vez de a reduzir. No trabalho experimental agora conduzido, Raffaella Gozzelino, investigadora sénior do laboratório de Miguel Soares, mostra que o organismo ultrapassa este problema através da indução da expressão de H-Ferritina, que elimina o ferro do tecido. O efeito protetor da Ferritina previne o desenvolvimento de formas severas e geralmente letais da malária em ratinho.

 

Os cientistas investigaram se a correlação entre o grau de severidade da malária e os níveis de Ferritina também existe em humanos. Conjuntamente com Bruno Bezerril Andrade (agora no National Institute of Allergy and Infectious Diseases, National Institutes of Health, USA), Nivea Luz e Manoel Barral-Netto (na Fundação Oswaldo Cruz e Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Brasil), analisaram amostras de indivíduos infetados com Plasmodium em Rondônia, um Estado no noroeste do Brasil. Os resultados obtidos mostram que, entre os indivíduos infetados, os que tinham os níveis mais altos de Ferritina apresentavam formas menos severas da doença. Estas observações, em conjunto com os resultados obtidos nos ensaios com ratinhos, mostram que a Ferritina confere proteção à malária sem interferir diretamente com o parasita que causa a doença, ou seja, a Ferritina confere tolerância à malária.  

 

Miguel Soares diz: ‘O nosso trabalho sugere que indivíduos que expressam níveis mais baixos de Ferritina e que, portanto, não são tão eficientes em sequestrar o ferro tóxico dos seus tecidos, podem correr um risco mais elevado de desenvolver formas mais severas de malária. Além isto, o nosso estudo apoia uma teoria que explica como a proteção contra a malária, tal como contra outras doenças infecciosas, pode operar sem visar diretamente o agente causador da doença, nomeadamente o Plasmodium. Em vez disso, esta estratégia de defesa funciona protegendo as células, tecidos e órgãos no organismo infetado contra a disfunção, limitando assim a severidade da doença.

Este estudo abre portas a novas terapêuticas que podem conferir tolerância à malária.

 

 

Ana Mena (IGC)

 

 

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 

Referências aos artigos

 

1 - Raffaella Gozzelino, Bruno Bezerril Andrade, Rasmus Larsen, Nivea F. Luz, Liviu Vanoaica, Elsa Seixas, António Coutinho, Sílvia Cardoso, Sofia Rebelo, Maura Poli, Manoel Barral-Neto, Deepak Darshan, Lukas C. Kühn and Miguel P. Soares. (2012) Metabolic Adaptation to Tissue Iron Overload Confers Tolerance to Malaria. Cell Host & Microbe 12: 693-704.

 

2 - Ruslan Medzhitov, David S. Schneider and Miguel P. Soares. (2012) Disease Tolerance as a Defense Strategy. Science 335: 936-941. 

Esta investigação foi desenvolvida no IGC em colaboração com investigadores do National Institutes of Health (NIH), EUA, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Brasil, Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Brasil, École Polytechnique Federale de Lausanne (EPFL), Swiss Institute for Experimental Cancer Research (ISREC), Suíça, e Universidade de Brescia, Itália. Este projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), pelo 6º Programa Quadro da Comissão Europeia, pela Financiadora de Estudos e Projetos/Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Amazônia (Brasil), pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia (Brasil), pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) (Brasil) e pelo NIH.



Imagem: Escultura em ferro “Despertar” (2004) do artista Rui Chafes. Fonte: CHAFES, Rui, Contramundo esculturas 2002-2011, Fundación Luis Seonane, A Coruña, 2011. 


© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)

Veja outros artigos deste/a autor/a.
Escreva ao autor deste texto

Ficheiros para download Jornais que já efectuaram download deste artigo