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«A investigação ainda é vista como algo sem um objectivo concreto aplicável»

18 Dez 2019 - 15h40 - 8.446 caracteres

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Sou licenciado em Engenharia do Ambiente pela Universidade do Algarve. Durante esse período, e ao abrigo do programa Erasmus, tive a oportunidade de enveredar pelos Sistemas de Informação Geográfica (SIG). São sistemas que permitem o uso de informações cartográficas digitais (mapas, cartas topográficas e plantas) e dados a que se possam associar coordenadas. Nos últimos 7 anos trabalho no Centro Comum de Investigação, localizado em Ispra no norte de Itália, e cuja função é dar apoio científico à tomada de decisões políticas e legislativas do resto da Comissão Europeia. Faço parte de uma equipa multidisciplinar que estuda o território europeu. Tentamos perceber como estão a mudar as zonas urbanas, se a desenvolverem-se de um modo mais compacto ou disperso, quais as alterações sofridas pelas regiões rurais e agrícolas, como varia a população em cada região e o acesso a transportes públicos, entre tantas outras temáticas territoriais.

Inicialmente fui contratado como especialista SIG mas actualmente conjugo essa função com a de cientista de dados e responsável pela recolha dos mesmos de fontes “não-convencionais”, como são o caso da internet e plataformas online. Muita da nova informação geográfica é aí gerada pelos utilizadores destas mesmas plataformas. Basta pensar no caso do Booking.com, TripAdvisor ou AirBnB. A estes dados aplico modelos estatísticos e de inteligência artificial para tentar descobrir padrões geográficos, medir diferenças entre as várias regiões europeias, revelar novas tendências e saber que factores influenciam de modo positivo ou negativo um fenómeno.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

Trabalho num centro de investigação com mais de 2000 pessoas de todo o mundo. Investigadores das mais diversas áreas, desde nanotecnologia, qualidade do ar, segurança alimentar, cibersegurança, energias renováveis, nuclear, etc. É um ambiente estimulante intelectual e socialmente. Como cientista de dados, trabalhar com uma quantidade imensa e variada de informação é muito aliciante. É desafiante poder fazer análises que vão desde uma pequena escala, como é caso do estudo de uma cidade, até uma escala continental. Actualmente, estou principalmente envolvido em dois projectos. Um, onde investigamos os factores que influenciam o aumento do preço das habitações; e outro relacionado com os padrões regionais e temporais do turismo. São ambos temas atuais e comuns a muitas cidades europeias.

Para além da investigação, tenho de saber transmitir os meus resultados. Isso implica comunicá-los de um modo simples a pessoas que não estão por dentro do tema ou terminologia técnica. Normalmente opto por construir uma narrativa, uma história apoiada por elementos visuais apelativos. Isso permite-me exteriorizar o meu lado comunicativo e criativo. Muitas vezes o que fica gravado na memória de quem ouve é um gráfico ou um mapa particular que calculámos. A divulgação dos resultados das nossas análises é feita em congressos, conferências, reuniões com parceiros e por isso tenho também a possibilidade de viajar bastante pela Europa.

 

 

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

 

Fazer investigação acabou por ser uma escolha um pouco involuntária. Há 11 anos e logo após terminar a minha licenciatura em Portugal, fui contactado para fazer um estágio de 6 meses em Génova, também em Itália. Trabalhava então num centro que coordena projetos europeus e dá apoio à empresa que gere a rede hidrográfica, sanitária e elétrica da província. Assim, as minhas funções eram sobretudo relacionadas com SIG.

Ao fim de 4 anos abriu uma posição no Centro Comum de Investigação para alguém com o meu perfil. Fui novamente contratado devido aos meus conhecimentos técnicos, mas fazendo parte de um grupo de investigação o meu perfil foi mudando. Fui integrado em projectos de investigação, expandindo assim as minhas competências e começando então a entrar na área da modelação. Revendo este período, vim para Itália pensado ficar apenas por 6 meses e entretanto já passaram mais de 11 anos.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

A minha apreciação prática é sobretudo relacionada com a comunidade portuguesa que faz investigação aqui no centro. Sei que somos tão competentes quanto qualquer outra nacionalidade presente na Comissão Europeia. Poderá parecer um cliché, mas as nossas qualidades intrínsecas, como o típico “desenrascanço”, dão-nos uma flexibilidade e capacidade extra para improvisar. A nível nacional isso permite-nos superar algumas das limitações materiais e financeiras impostas pela dimensão do nosso país. No entanto, tal não deverá servir de justificação para alguma falta de atenção que se dá à investigação em Portugal.

A investigação por vezes ainda é vista como algo sem um objetivo concreto aplicável. Como algo confinado às universidades, laboratórios e locais onde é desenvolvida. Frequentemente os resultados práticos só aparecem décadas mais tarde. Isto contribui para uma certa falta de comunicação entre o mundo da investigação, o empresarial e político. É importante encontrar uma linguagem comum promovendo uma maior cooperação entre este actores. Tal atrairia mais fontes de financiamento a quem investiga, resultaria em novos produtos para as empresas e resultaria num crescimento económico para o país. Exemplo disto é a minha área de trabalho. A análise de dados usando inteligência artificial tem tido enorme atenção por parte das empresas. Estas usam muitos dos algoritmos desenvolvidos nas universidades e contractam para os seus quadros inúmeros dos seus autores.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

É importante a rede criada pelo GPS. É um portal no qual os investigadores portugueses espalhados pelo mundo dão-se a conhecer. Olhando para o mapa inicial do site, vê-se que estamos literamente representados em todos os continentes. Curiosamente, foi através do GPS que tive a oportunidade de ler a interessante entrevista número 9 com o engenheiro Ricardo Almeida que trabalhou na Antártica.

É cada vez mais importante reforçar este tipo de redes que permitem o tal contacto não só entre investigadores, mas também com o mundo empresarial. Foi por isso que me senti honrado e aceitei sem hesitação o convite para responder a esta entrevista e assim poder demonstrar o meu apoio.

 

Consulte o perfil de Ricardo Barranco no GPS-Global Portuguese Scientists.

GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

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