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«Em Portugal formamos bons profissionais, mas não lhes proporcionamos oportunidades»

03 Mai 2018 - 12h33 - 7.287 caracteres

Entrevista a Catarina Silva, bióloga que faz investigação na Universidade James Cook, na Austrália.

 

«Formamos bons profissionais, mas infelizmente não lhes proporcionamos oportunidades para aplicar o conhecimento. O resultado? Grandes cientistas portugueses estão no estrangeiro a contribuir para o desenvolvimento tecnológico e económico do país que os recebe. Inclusivamente, em muitos casos a formação profissional destes investigadores foi financiada pelo governo português.»

 

Entrevista:

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Sou bióloga e especializei-me em biologia evolutiva, nas áreas de genética de populações e genética quantitativa. Actualmente trabalho como investigadora na Universidade James Cook, na Austrália, e de uma forma geral tento entender como o ambiente influencia a distribuição e adaptação dos animais. Para isso, uso uma variedade de técnicas de genética e ecologia.

 

Parte do meu trabalho envolve investigação fundamental para tentar responder questões relacionadas com a teoria da evolução. Por exemplo, como se formam as espécies? Ou como é que as populações se adaptam a determinados ambientes (mudanças genéticas ou plasticidade fenotípica)? A outra parte do meu trabalho envolve investigação aplicada às pescas, aquacultura e conservação. Por exemplo, detectar se populações estão a trocar genes entre si; determinar qual a população de origem dos indivíduos; ou determinar populações mais resistentes a doenças ou alterações climáticas.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

Uma das coisas que mais me entusiasma no meu trabalho é a versatilidade da minha área de especialização, que me permite aplicar técnicas da genética a vários organismos para responder a diversas questões. Por exemplo, qual é o mecanismo molecular que permite que alguns animais sejam resistentes a doenças ou a temperaturas elevadas e outros não? Ou como é que num determinado ambiente onde as populações estão conectadas pode haver tantas espécies diferentes entre si?

 

O que também me fascina na minha área de trabalho é o rápido e constante avanço das tecnologias de sequenciamento. É cada vez mais fácil usar informação genética em diversas áreas e as possíveis aplicações são muito abrangentes.

 

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

 

O meu interesse pela investigação começou durante a licenciatura em Biologia na Universidade de Aveiro. No trabalho de investigação, a experiência noutras instituições e o contacto com profissionais que usam métodos de trabalho diferentes traz um valor acrescentado para a formação profissional. Este foi o principal aspecto que me motivou a planear um período no estrangeiro ainda enquanto estudante de licenciatura. Outro factor que me motivou a sair de Portugal foi a falta de oportunidades e incentivo a jovens investigadores.

 

Acho que cada país onde estudei ou trabalhei tem a sua particularidade inesperada. Saí de Portugal em 2008 para fazer um estágio de seis meses em Espanha, onde encontrei um grande espírito de equipa. A qualidade da componente prática na educação no Brasil foi o que mais me surpreendeu durante o meu mestrado. O meu doutoramento na Nova Zelândia foi o resultado de uma parceria entre a universidade (Victoria University of Wellington) e o sector industrial (Ministry for Primary Industries) e fiquei surpreendida com o quão comum isto é na Nova Zelândia. O mais inesperado que encontrei na Finlândia foi a interdisciplinaridade na academia, em particular a integração da matemática na biologia. E finalmente, aqui na Austrália o que mais me surpreendeu foi a autonomia e o incentivo que me deram desde o primeiro dia de trabalho para explorar as minhas próprias ideias.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

Em toda a história de Portugal, acredito que nunca tivemos tantos e tão bons cientistas portugueses como temos hoje em dia. Isto é o resultado de um investimento na educação que mudou drasticamente a situação do país. Formamos bons profissionais, mas infelizmente não lhes proporcionamos oportunidades para aplicar o conhecimento. O resultado? Grandes cientistas portugueses estão no estrangeiro a contribuir para o desenvolvimento tecnológico e económico do país que os recebe. Inclusivamente, em muitos casos a formação profissional destes investigadores foi financiada pelo governo português.

 

A ciência em Portugal sofre com um financiamento imprevisível, definido a curto prazo, e com a falta de incentivo pelos sectores público e privado. Além disso, a colaboração entre o sector industrial e as universidades ainda é incomum. A Austrália e a Nova Zelândia, por exemplo, incentivam ao máximo a aplicação comercial da investigação financiada pelo governo e uma grande proporção das bolsas de doutoramento são o resultado de colaboração com o sector industrial.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

Acho que o GPS é uma ferramenta muito útil para auxiliar colaborações entre cientistas portugueses de diversas áreas. Além disso, tem um grande potencial como plataforma central no debate sobre o panorama cientifico português e como facilitador de novas parcerias. O GPS tem membros espalhados por todos os continentes a viver e trabalhar em realidades muito diferentes de Portugal. Apesar de alguns de nós estarmos fora do país, as nossas experiências e opiniões podem trazer diferentes perspectivas para o debate.

           

Consulte o perfil de Catarina Silva no GPS – Global Portuguese Scientists.

GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos


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