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«Os cientistas portugueses que conheço no exterior são do mais elevado nível»

02 Ago 2017 - 16h35 - 8.562 caracteres

Entrevista a André Corrêa d’Almeida, professor, empreendedor, consultor e autor radicado nos Estados Unidos que se dedica às áreas da economia política, do desenvolvimento sustentável e dos problemas públicos.

 

Nascido em Lisboa, André Corrêa d’Almeida fez a sua formação académica em Portugal, Holanda, China e Estados Unidos. Vive em Nova Iorque, EUA, onde é professor, empreendedor, consultor e autor. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS - Global Portuguese Scientists, um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

 

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Eu sou economista (Portugal e Holanda) com mestrado em Gestão (China) e doutoramento em Public Affairs (EUA). Sou professor (mais detalhes aqui), practitioner/empreendedor e consultor nas áreas da economia do desenvolvimento, dos assuntos internacionais, da inovação institucional e dos problemas públicos. Sou também empreendedor na área de programas educativos e investigação aplicada, bem como autor de Smart(er) New York City: Data, Technology and Life in the City (Columbia University Press, 2018). Tenho múltiplas posições na Universidade de Columbia, NYC, sou Senior Advisor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para a avaliação de programas, criei uma rede de investigação em NYC na área dos sistemas urbanos e inovação com investigadores de 21 centros de investigação de 10 universidades, e colaboro muito estreitamente com a Universidade Católica Portuguesa (UCP), entre outras parcerias descritas no site do ARCx Center. Sou também músico – ultimamente, não tanto quanto gostaria.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

O que me entusiasma e motiva no meu trabalho é a possibilidade de trabalhar em contextos globais, como o da cidade de Nova Iorque e o da Universidade de Columbia, onde há um elevadíssimo foco e motivação pelo trabalho. Mais especificamente, na Universidade de Columbia e no centro de investigação aplicada que criei – ARCx -, procuro contribuir para resolver alguns dos mais prementes desafios no desenvolvimento internacional sustentado, utilizando sempre abordagens mistas – teoria e prática –, multidisciplinares, colaborativas e de resolução de problemas.

 

São três as áreas em que trabalho:

a) a de smart(er) cities, uma iniciativa de investigação aplicada que criei na área da inovação, tecnologia e dados para tornar os sistemas de gestão urbanos mais inclusivos e responsivos às decisões políticas e aos cidadãos. Esta iniciativa decorre em Nova Iorque, Lisboa e Cascais (Londres a partir do próximo ano, também). O Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da UCP é um parceiro absolutamente central na componente LisbonX (LxX) desta iniciativa internacional;

b) a de educação para o desenvolvimento sustentável, com o objetivo de ensinar  e treinar a ser-se especialista no desenho e implementação de programas de desenvolvimento e políticas no âmbito dos Objectivos para Desenvolvimento Sustentável (SDGs) das Nações Unidas. Estes programas incluem mestrados, programas avançados para executivos, labs para practitioners e workshops para profissionais mais jovens; e

c) a de inovação institucional, um conjunto de iniciativas para a reforma de instituições políticas. Actualmente com iniciativas em Portugal (reforma do sistema politico), Moçambique (diáspora e politicas públicas), Estados Unidos (democracia directa) e Jordânia (descentralização financeira).

 

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

 

Já emigrei várias vezes. Primeiro para Macau (1996-2000), depois Denver (2005-2010), depois Nova Iorque (2010-presente). A ideia é sempre a mesma: expandir horizontes, abraçar o mundo, trabalhar numa escala global mas manter-me ligado a Portugal onde actualmente lidero duas iniciativas, tal como o site ARCx explica. Aprender, crescer, reinventar-me, perder o medo, pertencer ao todo planetário, fazer pontes, estreitar diálogos, promover decisões coordenadas em torno de problemas públicos comuns, desenvolver laços institucionais de confiança e reciprocidade e, também, dar testemunho de tudo isso. Quanto aos aspectos que mais me surpreenderam: pela negativa, o deserto de afectos que caracteriza a sociedade norte americana (mas existem oásis). Pela positiva, o funcionamento das instituições, a boa relação com “a tentativa e erro”, a distinção entre o institucional e o pessoal, e a motivação dos nova-iorquinos para o trabalho.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

É uma pergunta muito genérica. Académicos que simultaneamente trabalhem em investigação aplicada e em contexto multidisciplinar existem muito poucos em Portugal. Mesmo nos Estados Unidos, existe ainda uma grande divisão entre o académico teórico e o ‘practitioner’ applied. E, claro, os departamentos continuam a viver em clusters mais ou menos herméticos, ainda que exista um esforço cada vez maior para quebrar barreiras. A ideia de um académico generalista que faça uso da sua inteligência emocional, empatia (empathy) para a mobilização de actores-chave, e de uma panóplia diversificada de ferramentas teóricas, analíticas e praticas é, infelizmente, inconcebível na esmagadora maioria do meio académico. O que é muito curioso, porque cada vez mais os problemas estão interligados, as soluções são interdependentes e a sua implementação é de natureza programática. Os cientistas portugueses que conheço no exterior são todos, de uma forma geral, do mais elevado nível. Em Portugal confesso que conheço menos, mas a diferença parece-me estar nos recursos disponíveis (não só financeiros). Por exemplo, em Portugal, a carga lectiva e administrativa dos académicos é avassaladora; muito pouca margem para investigação continuada e exclusiva. Depois, o facto de os vencimentos serem garantidos, e não parcialmente financiados por contratos/grants que os próprios angariem, dá muito pouco incentivo para que se trabalhe o fundraising. Esta questão não só limita os recursos disponíveis, mas também impede uma maior aproximação da ciência às industrias e ao sector privado. Isto é, limita uma maior aproximação do teórico ao prático; limita um maior diálogo entre problemas e possíveis soluções. No limite, constrange muito o acesso a fontes privadas de financiamento.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

Confesso que utilizo pouco mas talvez sugerisse que fosse integrado com o LinkedIn para uma maior expansão do seu “cloud”. Eu próprio fiz isso com a rede alumni do meu programa em Columbia University e funciona muito bem.

 

Consulte o perfil de André Corrêa d’Almeida no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

 

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