«Ser-se proactivo é algo que não é cultivado suficientemente em Portugal»
Entrevista a Diogo Geraldes, que vive no Reino Unido e é designer de implantes ortopédicos para pacientes particularmente debilitados.
Nascido em Ponta Delgada, Diogo Geraldes é doutorado em biomecânica pelo Imperial College de Londres e trabalha numa empresa britânica. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS - Global Portuguese Scientists, um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Chamo-me Diogo Geraldes e sou designer de implantes ortopédicos feitos à medida do paciente na empresa Stanmore Implants/Stryker em Londres (Reino Unido). Lido principalmente com casos extremos para os quais não há soluções comercialmente disponíveis, nomeadamente em oncologia pediátrica e cirurgia de resgate.
Antes de trabalhar na indústria fiz o doutoramento em Biomecânica no Imperial College. Foi também no Imperial College que fiquei a fazer investigação e desenvolvimento de produto durante três anos de pós-doutoramento, testando e patenteando um implante para o ombro. Tenho também estado envolvido em projectos bastante distintos, desde o estudo da influência das actividades locomotoras do dia-a-dia nas propriedades materiais do osso com implicações a nível da prevenção de fracturas osteoporóticas; a categorização dos mecanismos pelos quais o glaucoma pode afectar o nervo óptico e conduzir à cegueira; ou optimização do design de implantes ósseos.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Trabalho muito com pacientes para os quais a alternativa ao implante individualizado seria a amputação, imobilização completa ou às vezes até a morte. Os implantes que desenho têm como principal objectivo melhorar as condições de vida dos doentes e resgatar partes do corpo que eram dadas como perdidas. Para tal crio soluções individualizadas em conjunto com os melhores cirurgiões ortopédicos e oncologistas mundiais. Cada caso chega à minha secretária com um diagnóstico e uma ideia inicial de tratamento. Depois de analisar as imagens médicas do paciente, proponho diferentes opções ao médico e, através de discussão contínua, o design vai progredindo iterativamente até convergirmos para a solução mais adequada. A partir daí torno-me gestor de projecto para cada implante, fazendo com que estes sejam produzidos com rigor técnico e qualidade pela qual a minha empresa é reconhecida internacionalmente. Sou depois convidado muitas vezes a presenciar a operação, de forma a dar o necessário apoio técnico.
Fico, por isso, assim, bastante ligado a cada caso. Este lado humano do meu trabalho é o que me dá mais prazer. Por exemplo, trabalho muito com crianças para as quais criamos implantes dotados de mecanismos que permitem crescer ao mesmo ritmo que o resto do esqueleto, evitando malformações futuras e problemas biomecânicos e até estéticos. Colaboramos também na realização de cirurgias que devolvem função a doentes com cancro terminal para enfrentarem com qualidade de vida, dignidade e menor sofrimento a última fase da sua vida. Lembro-me de quase todos os mais de 150 implantes pelos quais fui responsável. Para mim cada um deles é especial e único. E o acompanhamento, nalguns casos, das respectivas cirurgias de colocação dos implantes permite-me taméem percepcionar as dificuldades resultantes da sua aplicação e aperfeiçoar, no futuro, essa técnica de criação de soluções individualizadas.
Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?
A minha mudança para o Reino Unido foi bastante inesperada. Frequentava o primeiro ano de Engenharia Biomédica no Instituto Superior Técnico de Lisboa quando aproveitei uma visita a Londres durante as férias da Páscoa para visitar o famoso Imperial College. Foi durante uma conversa com um dos coordenadores do curso equivalente, que gentilmente se prontificou a dar-me informações sobre o curso, que surgiu a oportunidade de apresentar a minha candidatura para frequentar o mesmo curso no Imperial College. Foi assim que aprendi a primeira lição sobre a importância de ser proactivo, algo que não é cultivado suficientemente em Portugal. O universo académico que encontrei contrastava bastante com aquilo a que estava habituado, desde logo pelo multiculturalismo evidente dos que trabalham no sector de investigação que espelha a vontade de atrair o melhor talento global. Depois verifiquei que é a responsabilidade do académico angariar grande parte do financiamento para investigação do seu grupo, sendo que a estabilidade da sua posição profissional depende muito da qualidade e quantidade de trabalho que produz e financiamento que obtém. As universidades têm também quantidades de financiamento numa ordem de magnitude maior que as portuguesas.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Há muitas instituições de renome em Portugal que também põem em prática o que melhor se faz no Reino Unido. Nessas instituições é igualmente feito muito bom trabalho com pessoas de grande calibre. No entanto, Portugal tem o problema de não ter indústria desenvolvida em muitas áreas, o que dificulta a relação simbiótica entre as empresas e as universidades que leva à aplicação directa dos avanços que se vão fazendo nos laboratórios e grupos de investigação, criando novos campos de investigação científica. A minha área de especialização é um bom exemplo disso: tirando vendas e marketing, não é possível trabalhar no desenvolvimento de implantes ortopédicos. Como não há empresas que os desenvolvam, muito do conhecimento que é gerado nas universidades não é transmitido para o mundo comercial.
Vejo também que ainda persistem em Portugal práticas que desprezam a meritocracia. Os processos de atribuição de bolsas ou de emprego são pouco claros, há falta de transparência e de informação, o que gera um sentimento de desânimo e desmoraliza quem os observa de fora. No entanto penso que isso vai melhorando na medida em que regressam ao país investigadores que se encontravam no exterior.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Penso que o GPS é uma excelente iniciativa. Já era tempo de começarmos a catalogar a diáspora de cientistas portugueses e de criar uma plataforma de divulgação do excelente trabalho de investigação feito tanto nacional como internacionalmente. O mundo em geral, e a ciência em particular, estão a tornar-se cada vez mais globais e interconectados. Temos que tirar proveito destas características para continuarmos a produzir trabalho de qualidade. O GPS permite também a comunicação dos avanços científicos de uma forma fidedigna e a conexão directa entre o cientista e o público em geral, uma relação cada vez mais importante na era pós factual em que vivemos.
Consulte o perfil de Diogo Geraldes no GPS – Global Portuguese Scientists.
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