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«No máximo, eleger mais mulheres reduz a corrupção no curto-prazo»

31 Mar 2017 - 13h21 - 7.316 caracteres

Entrevista a Miguel Maria Pereira, doutorando em ciência política na Washington University de St. Louis, nos Estados Unidos.

 

 

Nascido em Torres Vedras, Miguel Maria Pereira está a desenvolver o seu projecto de doutoramento em ciência política nos Estados Unidos. Diz-nos que vive numa cidade onde a segregação racial é elevada. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

 

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Sou estudante de doutoramento em ciência política na Washington University em St. Louis, nos Estados Unidos, onde estudo questões relacionadas com representação democrática e comportamento das elites políticas. Os trabalhos que mais me têm estimulado envolvem experiências com políticos. Por exemplo, no ano passado uma representante de uma cidade em Massachusetts queria aumentar o número de participantes num conjunto de assembleias e comissões locais. Em colaboração com ela, conduzimos um estudo que envolveu pedir a eleitores recomendações de pessoas que seriam boas candidatas para aderir a estas organizações. Numa segunda fase, dividimos aleatoriamente esta lista de recomendações em dois grupos. Ambos os grupos receberam um convite para se voluntariarem, mas só a um dos grupos dissemos que tinham sido recomendados por fulano X. Isto tudo com a autorização dos envolvidos. A ideia era testar se o reconhecimento público estimula o envolvimento cívico. Os resultados apontam nesse sentido, mas precisamos de testar isto noutros lugares.

Estas colaborações com actores políticos são super entusiasmantes mas difíceis de concretizar. Assim sendo, talvez faça sentido partilhar um exemplo mais representativo do que faço no dia-a-dia. Recentemente fiz um trabalho sobre as consequências de elegermos mais mulheres para cargos públicos. Em vários países da América Latina têm sido implementadas políticas anti-corrupção que envolvem trazer mais mulheres para cargos públicos. A ideia é que normas de género criam pressões para as mulheres serem mais respeitadoras da lei e menos propensas a actos de corrupção. Testei este argumento entre políticos locais em Espanha. O estudo conclui que, no máximo, eleger mais mulheres reduz a corrupção no curto-prazo. Contudo, à medida que o tempo passa esse efeito dilui-se, sugerindo que a relação tem mais a ver com a experiência dos políticos no cargo do que com outra coisa.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

O que me atraiu inicialmente para esta área foi um estudo conduzido por um professor meu. Nos Estados Unidos é bastante comum as pessoas escreverem aos políticos. Por exemplo, no outro dia conheci um casal que escreveu ao Obama em 2008 a recomendar-lhe que arranjasse um cão de água para a Casa Branca. Eles tinham um e adoravam. Alguém na equipa dele escreveu-lhes de volta a agradecer a ideia. Não sei se isto é verdade mas é um delicioso exemplo de como estas interacções acontecem. Mas bom, há uns anos o Dan Butler juntou uns milhares de e-mails de políticos americanos locais e estaduais e enviou-lhes a mesma pergunta. “Acabei de me mudar aqui para o distrito e queria registar-me para votar. Como faço?” O nome do remetente foi aleatorizado. Metade dos políticos recebeu uma carta de um ‘James’ e a outra metade de um ‘DeShawn’, nomes tipicamente associados a brancos ou negros, respectivamente. A ideia era ver se os políticos descriminavam constituintes com base na cor da pele. Há mais nesta história, mas essencialmente o estudo acaba por mostrar que políticos brancos respondem disproporcionalmente a constituintes brancos, e políticos negros respondem disproporcionalmente a votantes negros. Isto não seria um problema por demais se todos os grupos étnicos tivessem proporcionalmente representados em cargos públicos, mas a verdade não é bem assim.

 

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Emigrei por duas razões. Primeiro, a área que estudo desenvolveu-se em grande medida nos Estados Unidos e pareceu-me ser aqui que poderia encontrar um maior estímulo  intelectual. Além disso, os doutoramentos nos Estados Unidos oferecem uma componente curricular (aulas) que me pareceu importante no meu processo de formação. Acabei recentemente essa fase do programa e não poderia estar mais satisfeito com a decisão. É um processo duríssimo, mas que altera os horizontes. Um pouco como as medidas de austeridade... se funcionassem.

O que encontrei de mais inesperado foi uma cidade altamente segregada, onde pessoas vivem em palacetes com colunas romanas na fachada a um ou dois quilómetros de pessoas a fazerem fogueiras em barris de gasolina. Foi aqui em Saint Louis que se inventaram as ruas privadas. O William Borroughs cresceu numa dessas ruas. O Miles Davis morava do outro lado do rio, em East Saint Louis, uma cidade que hoje em dia tem taxas de homicídio superiores às Honduras, o país com os maiores níveis de crime do mundo. Tudo muito inesperado.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Não vou fingir que tenho uma opinião muito sustentada sobre o assunto. Sou novo nisto e não tenho. Vejo pessoas a fazerem coisas fantásticas com recursos muito inferiores aos que existem aqui, e isso anima-me. E nos últimos anos tenho notado uma crescente abertura das universidades à comunidade civil e ao exterior, e tudo isso me parece muito positivo. A fusão da Universidade de Lisboa com a Universidade Técnica de Lisboa é um passo nesse sentido, por exemplo. O trabalho da FFMS é outro bom exemplo.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Gosto particularmente do potencial da iniciativa de servir de ponto de contacto entre quem está fora e quem está no país. A quantidade de investigadores com ambições e interesses comuns mas que não se conhecem e não comunicam é impressionante. E qualquer projecto que ajude a estimular esse contacto é precioso.

 

Consulte o perfil de Miguel Maria Pereira no GPS – Global Portuguese Scientists.

 

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos


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