Inspiração de coração viperino
Quem diria que ao estudar a fisiologia das serpentes chegaríamos a importantes informações para a saúde humana? Pois é, a ciência básica tem destas coisas. Ao estudar animais aparentemente em “nada relacionados” connosco (todos somos, na verdade, parentes mais ou menos afastados), chega-se por vezes a descobertas importantes para o tão demandado avanço da medicina humana. Aqui fica um relato de como isso é possível.
As pitões, serpentes famosas por se alimentarem de presas bem maiores que elas apertando-as com a sua poderosa musculatura até à morte, sofrem grandes alterações fisiológicas e anatómicas após a ingestão desse alimento. Uma dessas alterações é o brutal aumento do seu metabolismo e também do tamanho dos seus órgãos, incluindo o coração, que fica cerca de 40% maior. Este processo é necessário para a digestão da presa e dá-se muito rapidamente, em poucos dias (note-se que, nos humanos, é possível observar o crescimento do coração em atletas de alta competição, porém esse processo é muito gradual). Mas, como consegue o animal esta proeza? E, mais importante ainda, porque é que ela não tem consequências nefastas, como acontece em cardiopatias humanas?
Ora, o que um grupo de cientistas das universidades de Colorado e de Alabama (EUA) recentemente descobriu e publicou na revista científica Science foi que, no pico do metabolismo após a alimentação, a composição do sangue da pitão-indiana (Python molurus ) também se altera drasticamente, chegando ao ponto de ter um aspeto “leitoso”. Esse aspeto indica que há muitos ácidos gordos no sangue, muitos mais dos que seriam de esperar num animal saudável. Para além disso, após confirmarem essa suspeita com análises que permitiram identificar estes compostos, descobriram que são precisamente estes ácidos gordos que promovem o crescimento do coração sem, no entanto, o afetarem negativamente. Numa outra experiência, injetaram ratinhos com uma mistura destes lípidos e verificaram que também o seu coração aumentava de tamanho.
Com esta descoberta, pode-se agora tentar perceber como será possível fazer com que o coração dos mamíferos, como nós, fique mais forte, de forma a melhorar a circulação sanguínea e ajudar, por exemplo, pessoas com doenças cardíacas. No entanto e, como é obrigatório em ciência, estes resultados têm que ser analisados com cautela e confirmados por outros grupos de trabalho, para que se possam avançar com novos estudos e aplicações deste conhecimento com confiança.
Legenda e créditos da imagem: Pitão, créditos R.K. Dogra
© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
Diana Barbosa
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