Nobel da Física de 2015 para a descoberta de que os neutrinos têm massa
Vivemos num mundo de neutrinos. Depois das partículas da Luz, os fotões, os neutrinos são as partículas mais numerosas no Universo inteiro. Mais de milhares de milhões de neutrinos atravessam o nosso corpo em cada segundo. Não conseguimos vê-los nem senti-los, mas os cientistas conseguem detectá-los. Os neutrinos, partículas elementares, atravessam o espaço quase à velocidade da luz e quase nunca interagem com a matéria. Donde é que eles vêm? Alguns foram criados logo a seguir ao Big Bang, outros são constantemente criados em vários processos no espaço como nas explosões de supernovas ou na morte de estrelas massivas, e na Terra em reacções nas centrais nucleares e nos decaimentos radioactivos que ocorrem na natureza. Mesmo dentro do nosso corpo uma média de cinco mil neutrinos por segundo é libertada durante o decaimento de um isótopo do elemento potássio. Mas a maioria dos neutrinos que atingem a Terra têm origem nas recções nucleares que ocorrem no interior do Sol. Cerca de 60 mil milhões de neutrinos provenientes do Sol atingem a Terra por centímetro quadrado em cada segundo.
Os Neutrinos foram previstos teoricamente por Wolfgang Pauli, em 1930, muito antes de serem detectados experimentalmente. A proposta necessária de Pauli para a nova partícula devia-se à observação de a energia libertada e detectada em certas reações ser menor do a que a teoria predizia. Deveria então haver uma partícula neutra com a energia que faltava que seria libertada durante essas reações.
Este ano de 2015, a Fundação Nobel atribuiu o Prémio Nobel da Física ao japonês Takaaki Kajita, 56 anos, e ao canadiano Arthur B. McDonald, 72 anos, pelas suas descobertas que mostraram a existência de oscilações entre três tipos de neutrinos, o que teve como implicação a suposição de que os neutrinos têm massa, ainda que muito pequena. “Esta descoberta mudou o nosso entendimento da parte mais íntima da matéria e pode ser crucial para a nossa compreensão do Universo”, referiu o comité Nobel.
“No início do século XXI, Takaaki Kajita apresentou a descoberta de que os neutrinos criados na atmosfera pela chuva de raios cósmicos apresentavam duas “identidades” no seu caminho até ao detector Super-Kamiokande, no Japão, um enorme equipamento situado a um quilómetro abaixo da superfície terrestre”, explicou a Fundação Nobel no seu comunicado oficial. “Ao mesmo tempo, o grupo de investigação dirigido por Arthur B. McDonald conseguiu demonstrar que dois terços dos neutrinos procedentes do Sol não desapareciam, mas mudavam de “identidades” no seu caminho até à Terra e conseguiram detectá-los no Observatório de Neutrinos de Sudbury (Canada)”.
Esta permuta de identidade entre os três tipos de neutrinos, detectada experimentalmente, só é compreendida se se atribuir uma massa aos neutrinos.
Estas descobertas constituem um marco histórico na física de partículas. O facto de os neutrinos terem massa, ainda que muito pequena,não é explicado pelo Modelo Padrão (uma teoria que descreve as relações entre as interacções fundamentais conhecidas e as partículas elementares que compõem toda a matéria). Isto implica que esta teoria não está completa, o que constitui um desafio para a renovação da física de partículas com implicações na nossa compreensão da evolução do Universo.
É muito oportuno referir que há cientistas portugueses que participaram nestas descobertas. O Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) participa nas experiências dirigidas por Arthur B. McDonald desde 2005. Nos anos anteriores, entre 2002 e 2004, José Maneira, o responsável pelo grupo de Física de Neutrinos do LIP, trabalhou como Post-Doc na Universidade Queen's, no grupo de Arthur B. McDonald, que veio a Portugal em 2007 como convidado da conferência “New Worlds inAstroparticle Physics”, organizada pelo LIP e universidades portuguesas. Arthur B. McDonald continua a ser um colega próximo do LIP, através da participação em várias experiências recentes e veio à reunião de colaboração organizada pelo LIP em Lisboa em 2010.
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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