Qual é a massa da Via Láctea?
Por: António Piedade
Antes de respondermos à questão formulada no título desta crónica, foquemo-nos no nosso planeta. Na antiguidade clássica, pela observação do céu nocturno à vista desarmada, sabia-se da existência de seis planetas. Hoje, com a ajuda de potentes telescópios, como o Telescópio Espacial Hubble, foram identificados quase dois milhares a orbitar outras estrelas que não o Sol. Saber o tamanho e a densidade de cada um dos planetas é um aspecto importante na sua comparação com aquele em que a vida que nos anima se desenvolveu. E qual é a massa e densidade da Terra?
Uma das primeiras estimativas foi efectuada pelo famoso físico e matemático inglês Isaac Newton que afirmou que a densidade da Terra deveria ser entre cinco a seis vezes a da água. Na segunda metade do século XVIII, foram efectuadas várias medições experimentais com vista à determinação da densidade média da Terra. Entre outros cientistas, devemos ao inglês Henry Cavendish a realização de uma das medições mais rigorosas para a época. Cavendish usou uma balança de torção para medir as pequenas forças de atracção entre esferas de chumbo e a Terra e usou a lei da atracção universal de newton (os corpos atraem-se na razão directa das suas massas e razão inversa do quadrado das distâncias entre eles) para calcular um valor para a densidade da Terra (na realidade ele determinou experimentalmente a constante de atracção gravitacional). Os resultados foram publicados em 1798 num dos seus trabalhos mais célebres intitulado “Experiências para a determinação da Densidade da Terra”. O valor encontrado foi o de 5,48 para a densidade média da Terra relativamente à da água (que por definição é igual a cerca de 1 quilograma por metro cúbico à pressão normal e à temperatura de 25 °C). O valor hoje aceite para a densidade é de 5,52. Conhecendo o tamanho da Terra, a sua massa foi calculada como sendo da ordem das 6 x 10^21 toneladas.
Outros métodos permitem-nos hoje saber que a massa do Sol é de cerca de 333000 vezes a massa da Terra.
A Terra orbita Sol. E o sistema solar a que pertencemos encontra-se a cerca de 27 mil anos-luz do centro da galáxia Via Láctea, a nossa morada cósmica. O sistema solar, situado na periferia de um dos braços espiralados da Via Láctea, demora 250 milhões de anos a completar uma órbita. Desde a sua formação, há 4.5 mil milhões de anos, completou apenas 18 voltas à galáxia.
Sendo a Via Láctea composta por mais de 100 mil milhões de estrelas, qual é a sua massa?
Uma equipa de astrónomos da Universidade de Columbia, liderada por Andreas Küpper, publicou em Abril um artigo na revista Astrophysical Journal (http://iopscience.iop.org/0004-637X/803/2/80/article?fromSearchPage=true) descrevendo uma nova técnica que permite a determinação com uma precisão sem precedentes da massa da Via Láctea. As estimativas anteriores, baseadas em métodos indirectos, têm margens de erro enormes. O novo método baseia-se na observação das características de filamentos de estrelas arrancados pela Via Láctea a enxames globulares que a orbitam.
Os enxames globulares são grupos extremamente compactos de centenas de milhares de estrelas, que orbitam o centro da galáxia há milhares de milhões de anos. Em alguns casos, as intensas forças de maré exercidas pela enorme massa da Via Láctea provocam a sua desagregação gradual. Quando tal acontece, os enxames deixam ao longo da sua órbita filamentos formados por estrelas a eles arrancadas.
Foi o estudo da distribuição de estrelas nos filamentos de um enxame globular designado por Palomar 5 que permitiu aos autores deste estudo determinar um novo valor para a massa da Via Láctea. Os astrónomos concluíram que o modelo computacional que melhor se ajustava aos dados obtidos implicava uma massa total de 210 mil milhões de massas solares para a Via Láctea.
Qual é então a massa em kg da Via Láctea?
António Piedade
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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