O Arco-íris
O arco-íris deslumbra o nosso pensamento. É um fenómeno óptico e meterológico natural de uma beleza luminosa. O contraste entre o cinzento carregado do horizonte nebuloso e as cores vivas e radiantes do arco que surge à nossa frente quando o sol aparece por entre as nuvens, envolve a fronteira da mudança com um halo misto de espanto e maravilhamento. Se hoje compreendemos a natureza do arco-íris, muitos milénios houve na história da humanidade em que o seu aparecimento era sinal de intrevenção divina a anunciar melhores tempos ou a celebrar alianças.
Devemos a compreensão científica do arco-íris ao entendimento que foi sendo iluminado fisicamente sobre dois fenómenos ótpicos: a reflexão e a refracção. Na reflexão, um raio de luz ao encontrar uma superfície dita reflectora, como por exemplo um espelho, inverte o sentido de propagação segundo um ângulo bem definido. A refracção ocorre quando um raio de luz passa de um meio, por exemplo ar, para outro, por exemplo água, e sofre uma mudança na sua direcção de propagação, segundo um ângulo também bem definido e que depende da natureza dos dois meios atravessados.
A reflexão é conhecida desde a Antiguidade clássica e está, por exemplo, descrita na geometria de Euclides (c. 300 a.C.). A refracção só foi descrita matemáticamente em 1621 pelo holândes Willebrord Snellius, tendo sido, contudo, publicada alguns anos mais tarde pelo francês René Decartes. Assim, a lei que a designa é conhecida por lei de Snell, ou por lei de Descartes. Mas foi Descartes quem, em 1637, primeiramente discutiu, de um ponto de vista científico, a natureza do arco-íris. Contudo a sua comprensão deve muito ao inglês Isaac Newton que demonstrou, em 1666, que um raio de luz solar pode ser decomposto em várias luzes coloridas ao atravessar um prisma.
Mas afinal, o que é o arco-íris e porque é que surge depois de uma tempestade ou forte chuvada e quando surge o Sol por entre as nuvens? Para o explicar é necessário sabermos, em primeiro lugar, que a luz visível irradiada pelo Sol é constituída por um conjunto de radiações electromagnéticas que possuem frequências diferentes a que correspondem cores diferentes. Quando a luz do Sol atravessa o ar, todos os raios de frequência diferente que a compõem permanecem “juntos” criando a ilusão de se tratar de um único. Contudo, quando encontra e atravessa um meio diferente como seja um cristal, um prisma ou uma gota de água, algo de maravilhoso acontece: a luz solar é refractada e decompõe-se no espectro das suas componentes coloridas (vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta). Isto acontece porque cada uma das radiações que compõem a luz solar possuem, como já se disse, frequências diferentes a que correspondem energias diferentes. Ao mudar de meio cada um dos raios sofre um desvio na sua direcção de propagação (é refractado) que é tanto maior quanto maior for a sua energia (frequência). Nos extremos do arco-íris encontramos a cor vermelha e o violeta a que correspondem respectivamente uma energia (frequência) menor e maior.
No caso do arco-íris, o meio refractário que a luz Solar encontra é a gota de água. Vamos então tentar seguir, com ajuda da figura ao lado, um raio de luz no seu percurso através de uma gota de água que é aqui considerada como perfeitamente esférica para facilitar a explicação. Assim que o feixe de luz solar atravessa a superfície da gota no ponto A, sofre uma ligeira mudança na sua direcção (é refractado). Ao atingir a superfície interna oposta da gota, ponto B, parte do feixe de luz é reflectido no sentido oposto ao movimento que trazia e numa direcção diferente, uma vez que esta superfície interna da gota funciona como um espelho côncavo. O feixe reflectido atravessa então de novo a gota até sair dela no ponto C. Como neste ponto ocorre uma mudança de meio, a direcção do feixe de luz é novamente ligeiramente alterada (refractada). Cada um dos componentes da luz solar sofrerá este mesmo percurso mas, por terem frequências diferentes, os desvios de direcção sofridos por cada um deles será diferente. O resultado final é a sua separação num leque de feixes contíguos cada um com uma frequência específica e característica de cada uma das cores que podemos ver. Uma vez que uma gota de chuva típica é aproximadamente esférica isto produz um efeito na refracção e reflexão da luz Solar que é simétrico em relação a um eixo imaginário que passe no centro da gota com a direcção do feixe incidente. Por isso o arco-íris é circular.
O feixe de luz inicial voltou desta forma para traz com uma nova direcção, separado nos seus componentes coloridos e poderá atingir a retina do(a) leitor(a) caso estejam reunidas algumas condições. A primeira tem a ver com a posição do Sol. Este, que se encontra sempre atrás do observador de um arco-íris, terá que estar entre determinadas alturas no horizonte. Quanto mais baixo o Sol estiver, mais alto estará o arco-íris. Ao pôr-do-sol será possível ver um semicírculo completo com o arco de cor vermelha no topo do arco-íris a fazer um ângulo máximo de 42º com o horizonte. Como cada uma dos componentes da luz solar sofre refracções e reflexões ligeiramente diferentes, eles “saem” da gota de água em direcções que fazem um ângulo diferente com o horizonte. Quando vemos um arco-íris, o que realmente estamos a observar é o resultado da refracção e reflexão da luz solar em diferentes gotas de água que se encontram a alturas diferentes, o que permite que os diferentes raios que saem em ângulos diferentes possam ser visualizados simultaneamente pelo mesmo observador.
Gostava de chamar a atenção do(a) leitor(a) para o facto de em certas condições se poder observar ao mesmo tempo dois arco-íris. Descrevemos o trajecto do raio de luz solar através de uma gota de água. Mas nem toda a energia do raio sai da gota após este ter sido reflectido. Uma “parte” do raio pode sofrer uma segunda reflexão no ponto C e atravessar de novo a gota emergindo dela num outro ângulo. O arco-íris que normalmente observamos é designado por primário e é o resultado de uma única reflexão do feixe de luz solar no interior da gota. O outro arco-íris é designado por secundário e surge devido à ocorrência de duas reflexões internas, o que faz com que os “raios vermelhos”, por exemplo, saiam da gota com um ângulo de 50º em vez de 42º. Isto ocasiona um segundo arco-íris no qual as cores estão invertidas relativamente ao primeiro como se de uma imagem espelhada do primeiro se tratasse.
Na próxima vez que se deparar com a visualização de um arco-íris olhe mais para cima e tente descortinar este segundo arco-íris. Devido ao maior percurso do raio de luz dentro da gota, a intensidade deste é comparativamente menor, o que justifica que seja de difícil visualização e passe muitas vezes despercebido.
António Piedade
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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