Destino de novos genes não pode ser previsto
Por: Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)
Novas versões de genes, designadas de alelos, podem aparecer por meio de mutações numa população. Mesmo quando estes alelos tornam o indivíduo mais capaz de sobreviver e reproduzir-se, o resultado mais provável é que se venham a perder na população. A teoria que explica estas probabilidades foi postulada pelo cientista J. B. S. Haldane há cerca de 90 anos. Desde então, esta teoria tornou-se pedra angular na área de genética de populações, com estudos de adaptação a novos ambientes e conservação de espécies, por exemplo, a basearem-se nela. No entanto, até agora não existiam testes experimentais explícitos que validassem ou refutassem esta teoria.
Uma equipa de investigação liderada por Henrique Teotónio , em colaboração com Isabel Gordo, no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), testou agora experimentalmente a teoria de Haldane. Ao realizarem testes de competição entre vermes, os investigadores confirmaram a validade desta teoria para prever o destino de um novo alelo benéfico, quando introduzido numa população. No entanto, a equipa descobriu que a mesma teoria não consegue prever o destino final desse mesmo alelo. Este estudo, publicado no último número da revista científica Nature Communications, contribui para uma melhor compreensão de como uma população pode evoluir, com implicações nos estudos de adaptação de espécies a ambientes em mudança, ou de conservação de espécies.
A teoria de Haldane pôde agora ser experimentalmente testada porque os investigadores criaram as condições ideias ao utilizarem o verme nemátodo Caenohabditis elegans (C. elegans). Estes pequenos organismos reproduzem-se maioritariamente por autofertilização, o que assegura a manutenção da identidade genética entre progenitores e descendência. Além do mais, estes organismos reproduzem-se num curto espaço de tempo, tornando possível o estudo de várias gerações. Tirando proveito destas características, Ivo Chelo e Judit Nédli realizaram ensaios de competição entre duas linhas de C. elegans para ver quais os indivíduos que conseguem sobreviver e reproduzir-se melhor.
Chelo e os colegas começaram por verificar a teoria de Haldane na fase de introdução de um novo alelo na população. Introduziram 2 ou 5 indivíduos de uma linha numa população de 1000 indivíduos da outra linha e testaram como esses indivíduos invadiam a população. Descobriram que, quando os invasores transportavam um alelo mais vantajoso, a introdução na população de mais indivíduos diminuía a sua probabilidade de extinção. Confirmaram também que a probabilidade de extinção é maior para alelos prejudiciais do que para alelos benéficos. De qualquer modo, os indivíduos menos vantajosos podiam ser mantidos na população durante algumas gerações numa frequência elevada, sendo maior a frequência quanto menor o tamanho da população. A validade da teoria de Haldane tinha sido provada para as fases iniciais da invasão.
Depois, a equipa de investigação analisou a probabilidade de fixar um alelo benéfico na população, isto é, de todos os indivíduos da população serem portadores do novo alelo. Repetiram as experiências de competição entre as mesmas duas linhas de C. elegans, mas desta vez usaram um maior número inicial de indivíduos invasores, para simular uma população na qual o alelo benéfico já está estabelecido. Os investigadores observaram que o valor adaptativo de cada alelo (isto é, se se comporta como benéfico ou prejudicial), depende da sua frequência na população. Se a sua frequência for maior do que 5% (quando existem mais do que 5 indivíduos diferentes numa população de 100 indivíduos), o alelo é interpretado como sendo prejudicial e começa a ser eliminado por seleção natural. Mas quando a frequência é inferior a 5%, o alelo é benéfico. O resultado desta dinâmica complexa é que a diversidade genética pode ser mantida indefinidamente, sem nunca haver fixação de um ou outro alelo na população.
Ivo Chelo explica: “Os nossos resultados sugerem que o valor que um novo alelo traz ao indivíduo não é fixo. As populações são dinâmicas e complexas, com muitas interações entre indivíduos e entre estes e o ambiente. As fases iniciais, quando o novo alelo aparece, não nos conseguem dizer qual o efeito que esse alelo terá algumas gerações mais tarde, quando a população já mudou.”
Henrique Teotónio acrescenta: “Pelo que sabemos, esta é a primeira vez que alguém foi capaz de testar diretamente a teoria de Haldane. Nós provámo-la correta para quando um novo alelo aparece na população. Mas os nossos resultados mostram que mais trabalho empírico e mais modelos teóricos são necessários para prever com precisão o destino desse alelo durante muito tempo.”
Esta investigação foi financiada pelo Programa Científico “A Fronteira Humana” (‘The Human Frontiers Science Program’) e o Conselho Europeu de Investigação.
Ana Mena (IGC)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Referência do artigo:
Chelo, I., Nédli, J. Gordo, I., and Teotónio, H. (2013) An experimental test on the probability of extinction of new genetic variants. Nat Commun. 4:2417 doi: 10.1038/ncommsS3417
Informação suplementar:
Alelo – forma alternativa de um mesmo gene. Cada gene é composto por uma sequência de DNA. Pequenas alterações a essa sequência resultam num novo alelo. Cada alelo pode produzir um efeito diferente, fenotipicamente observável ou não.
Caenorhabditis elegans (C. elegans) – este nemátodo é um verme não parasitário, transparente, com cerca de 1mm de comprimento quando adulto, que vive no solo. Desde 1974, com os trabalhos de Sydney Brenner, que este nemátodo tem sido extensamente utilizado como organismo modelo, em Biologia Celular e de Desenvolvimento.
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Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)
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