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Nobel da Física para inventores de métodos de observação directa do “estranho mundo quântico”

09 Out 2012 - 17h59 - 3.713 caracteres

O Prémio Nobel da Física de 2012 foi dividido entre o francês Serge Haroche  e o norte-americano David Wineland, pelos seus trabalhos experimentais de alta precisão de controlo e manipulação de sistemas atómicos.

Serge Haroche, em Paris (França) e David Wineland, em Boulder, no Colorado (Estados Unidos da América) e, segundo o físico teórico Carlos Fiolhais, “têm estudado a relação entre matéria e luz: o francês fez uma "caixa" de luz (radiação de microondas) para onde lança átomos de matéria e o americano uma "caixa" de matéria, isto é, uma cavidade contendo iões (chamada "ratoeira" atómica), átomos carregados electricamente, para onde lança luz laser. Graças a eles, podem ser detectadas mudanças de um átomo correspondentes, por exemplo, à emissão ou absorção de um só fotão (grão de luz). Com essas "caixas" podem-se realizar, em cima de uma mesa, experiências mentais que julgávamos impossíveis e que, sem excepção, têm confirmado a teoria quântica, hoje uma velhinha com mais de cem anos mas com excelente saúde”, comenta Carlos Fiolhais.

De facto, antes das invenções agora premiadas, muitos fenómenos aparentemente bizarros previstos pela física quântica não podiam ser diretamente observados. Durante quase oito décadas os físicos só poderam realizar “experiências mentais” para investigar os princípios que regem a interacção entre as partículas de luz e da matéria, no território da designada física quântica óptica.

“As aplicações da teoria quântica - que incluem os raios X, os transístores, os lasers, etc. - estão longe de estar esgotadas”, exemplifica Carlos Fiolhais. “Os trabalhos hoje premiados, que apesar de relacionados são independentes um do outro, têm continuado e vão continuar na direcção das aplicações. Permitiram já construir o relógio com maior precisão do mundo: um relógio atómico muito mais exacto do que os relógios atómicos correntes que viajam a bordo de satélites para nos darem sinalização por GPS. Se um relógio desse tipo tivesse estado a funcionar desde o início do mundo, há 14 000 milhões de anos, o seu desvio da hora certa não seria de mais de cinco segundos. Verdadeiramente extraordinário! O novo instrumento baseia-se em "saltos" energéticos de átomos quando absorvem luz visível em vez de luz de microondas, como os relógios do GPS.”

“Um dos sonhos da investigação nesse domínio é a construção de computadores quânticos, que serão computadores muito mais rápidos do que os actuais. A ideia desses computadores é fazer contas não com "bits", que são zeros e uns, mas sim com quaisquer valores intermédios. A teoria quântica  trabalha com sobreposições de estados e as experiências referidas permitem preparar essas sobreposições”, acrescenta o físico português.

Para Carlos Fiolhais, “o nosso futuro vai ser decerto diferente graças às inovações hoje premiadas. A história da ciência e da tecnologia ensina-nos. Quem diria, em 1901, quando o primeiro prémio Nobel da Física foi atribuído pela descoberta dos raios X, que hoje os raios X seriam tão correntes e seriam tão úteis na nossa vida? Da mesma forma, basta ver a lista das descobertas premiadas com o Nobel desde essa data para verificar como a nossa vida foi afectada: por exemplo, os actuais computadores baseiam-se no transístor, uma invenção premiada com o Nobel de 1956, e os lasers, que hoje se usam por todo o lado, são uma invenção reconhecida com o prémio Nobel de 1964.”

Todas estas aplicações tecnológicas, que usamos no nosso dia-a-dia sem nos apercebermos que são o resultado da aplicação do conhecimento advindo das previsões teóricas da física quântica, foram melhoradas através das confirmações proporcionadas pelas invenções dos agora laureados com prémio Nobel da Física deste ano.

 

António Piedade

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 

Legendas das figuras

Figura 1 - Em laboratório, David Wineland em Boulder, Colorado, átomos eletricamente carregados ou íons são mantidos dentro de uma “caixa” definida por campos eléctricos. Um dos segredos por trás da invenção de Wineland é o domínio da arte de usar feixes de laser e a criação de pulsos muito bem controlados desses raios laser. Neste dispositivo, um laser é usado para colocar um ião no estado de energia mais baixo, o que permite o estudo dos fenômenos quânticos com o ião aprisionado.

 

Figura 2 - A “caixa de luz” de Haroche Serge, em vácuo e a uma temperatura próxima do zero absoluto (0 K ou -273, 15 C), os fotões de microondas reflectem-se para trás e para a frente dentro de uma pequena cavidade definida por dois espelhos. Os espelhos são de tal forma que permitem a permanência de fotões por mais de um décimo de segundo. Durante este tempo de vida, longo na escala quântica, muitas manipulações quânticas podem ser realizadas com o fotão “preso” e sem o eliminar.


© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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