Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina 2012
Por: António Piedade
Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina 2012
O comité Nobel reconheceu o papel de dois cientistas pela descoberta de que as células especializadas que compõem o nosso corpo podem ser “reprogramadas” para se torarem células “imaturas” capazes de, por sua vez, se desenvolverem em células de todos os tipos de tecidos do corpo. Isto revolucionou o modo como compreendemos a formação, desenvolvimento e funcionamento das células e dos organismos multicelulares.
Os milhares de milhões de células do nosso corpo são o resultado do desenvolvimento de uma única célula: o óvulo fecundado. Durante os primeiros dias após a fecundação, cada uma das células do embrião é capaz de se desenvolver, diferenciar, em todos os tipos de células que formam o organismo adulto. Por isso, tais células são designadas por células estaminais embrionárias e pluripotentes. À medida que o embrião se desenvolve, estas células pluripotentes vão dar origem aos diversos tecidos (nervoso, muscular, ósseo, conjuntivo, adiposo, entre outros) especializando-se para desempenhar tarefas específicas e essenciais ao organismo completo e adulto. São designadas por células somáticas.
Durante cerca século e meio esta diferenciação das células estaminais pluripotentes em células somáticas foi considerada unidirecional e irreversível. Mas em 1962, o cientista britânico John B. Gurdon descobriu que afinal esta ideia centenária estava errada. Numa experiência hoje clássica, Gurdon retirou o núcleo a um ovócito de uma rã e, em seu lugar, colocou o núcleo de uma célula adulta dos intestinos de um girino. Surpreendentemente, este ovócito modificado desenvolveu-se e foi capaz de dar origem a uma rã. O ADN da célula somática possuía ainda toda a informação necessária para gerar uma rã completa. O Comité Nobel reconheceu a importância do trabalho de John Gurdon atribuindo-lhe este ano o premio Nobel da Fisiologia ou Medicina.
Shinya Yamanaka nasceu nesse mesmo ano de 1962. 44 anos depois, este cientista japonês descobriu como é que células adultas de ratos podem ser “reprogramadas” para readquirirem um estado “imaturo” de pluripotência embrionária. Introduzindo apenas quatro genes em células adultas (fibroblastos), ele e a sua equipa transformaram-nas em células estaminais pluripotentes. As células resultantes deste processo laboratorial foram designadas por células estaminais pluripotentes induzidas (IPS). Deste modo, Yamanaka identificou, nas células estaminais embrionárias, quais os genes responsáveis pela sua pluripotência e que as mantêm capazes de originar todas as outras. Por este trabalho, este cientista foi galardoado também com o prémio Nobel deste ano.
“As descobertas [dos dois cientistas] revolucionaram a nossa compreensão de como as células e o organismo se desenvolvem”, refere o comunicado da Assembleia Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia. "Compreendemos hoje que a célula madura não tem de ficar confinada para sempre ao seu estado especializado. Os manuais foram reescritos e estabeleceram-se novos campos de investigação. Ao reprogramar células humanas, os cientistas criaram novas oportunidades de estudar doenças e desenvolver métodos de diagnóstico e terapia", acrescenta o mesmo comunicado.
António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Artigos seminais dos dois galardoados:
Gurdon, J.B. (1962). The developmental capacity of nuclei taken from intestinal epithelium cells of feeding tadpoles. Journal of Embryology and Experimental Morphology 10:622-640.
Takahashi, K., Yamanaka, S. (2006). Induction of pluripotent stem cells from mouse embryonic and adult fibroblast cultures by defined factors. Cell 126:663-676.
© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
Veja outros artigos deste/a autor/a.
Escreva ao autor deste texto
Ficheiros para download Jornais que já efectuaram download deste artigo