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Células do pólen mantêm memória para controlar genes

20 Set 2012 - 17h46 - 4.516 caracteres

Em qualquer organismo vivo, todas as células têm o mesmo DNA, mas a identidade de cada célula é definida pela combinação de genes que estão ligados ou desligados num determinado momento. Nos animais, esta memória celular é apagada entre gerações, para que o novo ovo não tenha memória, e assim tenha potencial para originar qualquer tipo de célula. Pelo contrário, nas plantas com flor a memória celular passa de geração em geração, tendo um risco potencial no desenvolvimento das novas plantas.

 

Num estudo publicado esta semana na revista científica Cell*, cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e de Cold Spring Harbor Laboratory (CSHL), nos EUA, descobriram um novo mecanismo nos grãos de pólen e nas sementes que silencia sequências potencialmente mutagénicas de DNA móvel, evitando assim que haja um dano nas novas plantas.

 

Um dos principais mecanismos que contribui para a memória celular é a adição de um grupo químico – o grupo metilo – a sequências de DNA (um processo chamado de metilação). A metilação do DNA desliga os genes. Estas alterações na expressão de genes que são hereditárias, mas que não estão escritas diretamente na sequência de DNA, são chamadas de epigenéticas.

 

Usando a planta Arabidopsis thaliana, a equipa de Jörg Becker e José Feijó no IGC, e Robert Martienssen e colegas, em CSHL, analisaram o genoma de grãos de pólen e as suas células precursoras, os micrósporos, e determinaram as sequências de DNA que estavam metiladas.

 

Joseph Calarco (do laboratório de Martienssen) e Filipe Borges (do laboratório de Becker) viram que a metilação do DNA é maioritariamente mantida nos micrósporos e nos grãos de pólen. Mas existem diferenças entre estas células. Nos grãos de pólen, algumas sequências de DNA são metiladas nas células sexuais mas não no núcleo vegetativo, e vice-versa. Entre estes genes não metilados estão genes móveis, os transposões, que podem tornar-se ativos e originar mutações. Esta equipa de investigação descobriu que esta situação pode ser prevenida por pequenas sequências de RNA (chamadas de siRNA) que repõem a metilação dos transposões no embrião.

 

“Nós revelámos um mecanismo nas células sexuais que previne a ativação de transposões potencialmente prejudiciais e, ao mesmo tempo, depois da fusão das células sexuais masculinas e femininas, permite a formação de uma célula com total capacidade para se tornar em qualquer tipo de célula, que dará origem a uma nova geração”, explica Jörg Becker. “Por outro lado, se na célula do ovo as sequências de siRNA oriundas da célula feminina não corresponderem aos transposões que vêm da célula masculina, estes podem escapar ao silenciamento no embrião em desenvolvimento, com potenciais danos para a nova planta gerada. Esta ativação não controlada dos transposões pode, pelo menos em parte, explicar barreiras de hibridização existentes, nas quais cruzamentos entre espécies resultam no aborto de sementes ou infertilidade. A quebra destas barreiras levaria a um aumento na probabilidade dos produtores de plantas melhorarem as culturas de espécies através do uso do fenómeno de vigor híbrido, no qual a descendência mostra qualidades superiores aos seus progenitores, exemplificado em vários híbridos de milho e arroz.”

 

Era sabido que as plantas com flor são uma exceção à regra de reposição da memória celular, visto que estas modificações são herdadas por centenas de gerações. Mas a extensão a que isto ocorre nas células sexuais das plantas e qual a contribuição da reprogramação epigenética do genoma permanecia desconhecida até agora. O mecanismo agora descrito pode servir como forte argumento para explicar como a reprodução sexual evoluiu e se tornou tão predominante na maioria dos organismos superiores.

 

Este estudo foi realizado com financiamentos do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos da América, e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em Portugal.

 

Ana Mena (IGC)

 

Ciência na Imprensa Regional - Ciência Viva

 

Referência do Artigo:

 Joseph P. Calarco, Filipe Borges, Mark T.A. Donoghue, Frédéric Van Ex, Pauline E. Julien, Telma Lopes, Rui Gardner, Frédéric Berger, José A. Feijó, Jörg D. Becker, Robert A. Martienssen. (2012), Reprogramming of DNA methylation in pollen guides epigenetic inheritance via small RNA.Cell.

 

Imagem:

Mapa do estado de metilação do genoma das células sexuais masculinas, e das suas células percursoras, de Arabidopsis thaliana. No centro, imagem de um grão de pólen com o núcleo vegetativo marcado a vermelho e as células sexuais a verde. (Créditos: Filipe Borges, IGC, e Joseph Calarco, CSHL, 2012)


© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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