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Uma em cada cem pessoas sofre de um tipo de epilepsias

27 Mar 2012 - 14h13 - 3.070 caracteres

Sofia Duarte, neurologista pediátrica no Hospital D. Estefânia do Centro Hospitalar de Lisboa Centro, recentemente premiada com o “Eminent Scientist of the Year 2012”, pretende estudar no seu doutoramento as epilepsias do primeiro ano de vida.

Conversamos com esta promissora investigadora sobre o seu principal interesse de estudo e sobre como ele pode vir a permitir um melhor diagnóstico para estas doenças que, quando não detectadas e tratadas no primeiro ano de vida, podem vir a afectar uma em cada cem pessoas.

 

António Piedade (AP) - O que a levou a interessar-se pela neurologia pediátrica?

Sofia Duarte (SD) - O meu interesse surgiu pela combinação entre o aspecto humano, de trabalhar com as crianças e famílias, e a complexidade científica que está subjacente ao estudo das doenças do cérebro em desenvolvimento. Fiz um estágio em Barcelona, num serviço de referência, e fiquei fascinada com o trabalho desenvolvido. Sabemos ainda muito pouco sobre muitas destas doenças e também sobre o funcionamento normal do cérebro humano nas fases mais precoces da vida.

 

AP - Quais as limitações actuais no diagnóstico de epilepsias no primeiro ano de vida?

SD - Eu estou particularmente interessada nas encefalopatias epilépticas. Passo a explicar, existe uma percentagem significativa de casos de epilepsia em que existe tratamento e não se verificam implicações no desenvolvimento cognitivo da criança. Existe outro grupo, muito menor, de situações muito graves, com crises diárias e em que se associa atraso de desenvolvimento psicomotor. Provavelmente algo está errado na "programação" dos processos de desenvolvimento esperados. Já foram identificados alguns genes que são relevantes para este processo e que, quando alterados, estão associados a estas encefalopatias. No entanto muitos casos continuam sem diagnóstico.

 

AP - Que tipo análises pensa poder vir a desenvolver para estabelecer novos e melhores diagnósticos?

SD - Nesta fase interessam-me particularmente duas análises, que ainda não fazem parte da rotina clínica. O doseamento de neurotransmissores como o GABA e o glutamato (substâncias químicas que permitem a comunicação entre os neurónios), e a detecção de proteínas sinápticas (as sinapses são as unidades de comunicação neuronal entre dois neurónios vizinhos). As análises são realizadas com o liquor, liquido que reveste o cérebro e a medula de crianças afectadas.

 

AP - Tem algumas evidências que liguem os hábitos alimentares e estilo de vida da mãe durante a gestação e a manifestação de perturbações epilépticas durante o primeiro ano de vida do bebé?

SD - Não.

 

AP - Qual é o número de crianças em Portugal que podem vir a beneficiar da sua investigação. 

SD - Estas doenças afectam 1 em cada 3000 crianças aproximadamente. São doenças raras. No entanto, muitas vezes o avanço do conhecimento sobre doenças mais frequentes tem sido impulsionado com a compreensão de mecanismos em casos mais graves e menos frequentes. Compreender a alteração genética, molecular dos casos de encefalopatia epiléptica pode permitir saber mais sobre a epilepsia em geral, que afecta 1% da população (ou seja uma pessoa em cada 100).

 

António Piedade

Ciência na Imprensa Regional - Ciência Viva


Sobre o Prémio recebido ver o conteúdo: http://www.imprensaregional.cienciaviva.pt/conteudos/artigos/?accao=showartigo&id_artigocir=164


Sobre Sofia Duarte.

Natural de Santarém, licenciou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Em 2007 completou o Mestrado em Neurociências e Biologia do Comportamento, na Universidade Pablo de Ollavide (Espanha). Durante o internato de especialidade no Hospital San Joan de Déu (Barcelona), optou por seguir Neurologia Pediátrica, pelas possibilidades que a área oferece de estabelecer a ponte entre a investigação básica e a aplicação clínica. É neurologista pediátrica no Hospital D. Estefânia do Centro Hospitalar de Lisboa Centro e aluna do Programa de Formação Médica Avançada (resultado de uma parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Champalimaud, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o Ministério da Saúde).

 


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António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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