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Descortinar novas Terras por entre o “ruído” das estrelas

23 Dez 2019 - 15h27 - 5.877 caracteres

Descobrir planetas em órbita de outras estrelas implica detetar, indiretamente,os efeitos que estes provocam na sua estrela  Quando se procura planetas tão pequenos como a Terra, esses efeitos podem diluir-se no “ruído” da atividade estelar, criado por manchas estelares ou zonas de alto brilho. Esta atividade pode mesmo imitar a presença de um ou mais planetas, que de facto não existem.

Uma discordância sobre a existência de planetas à volta da estrela HD 41248, na constelação do Pintor, do hemisfério celeste sul, foi agora resolvida com os primeiros dados obtidos pelo espectrógrafo ESPRESSO. Um estudo (DOI: 10.1051/0004-6361/201936389), a ser publicado pela revista científica Astronomy & Astrophysics e liderado por João Faria, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), e com a participação de mais doze investigadores do IA, concluiu que o que parecia ser o sinal de dois planetas em órbita, é muito provavelmente atividade da própria estrela.

“O nosso trabalho demonstra que detetar pequenos planetas, até mesmo maiores do que a Terra, não é uma tarefa fácil. A contaminação causada pela própria estrela tem que ser tida em conta e corrigida”, comenta João Faria. “Este vai ser de certeza um passo necessário para a deteção de um planeta como a Terra, e este estudo é o primeiro avanço na utilização do ESPRESSO para esse objetivo.”

A estrela HD 41248 está a cerca de 181 anos-luz da Terra. É pouco mais pequena e menos massiva que o Sol, sendo também mais velha. Foi objeto de três artigos científicos que discordavam quanto à existência de dois planetas a orbitá-la. A precisão do espectrógrafo HARPS, utilizado nesses estudos anteriores, instrumento localizado no Observatório de La Silla, no Chile, não era suficiente para resolver o problema com um número razoável de novas observações.

Este novo artigo reúne os dados pré-existentes, obtidos em 2003 e 2014 com o HARPS, aos obtidos agora com o ESPRESSO, no VLT. Inaugurado em setembro de 2018, a construção deste instrumento teve a participação e coliderança do IA. Os dados agora obtidos representam a estreia do ESPRESSO na busca de exoplanetas. Com uma precisão (menor margem de erro) sem precedentes na medição de velocidades radiais, estas novas observações permitem distinguir os sinais provenientes dos planetas daqueles causados pela atividade estelar.

O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 centímetros por segundo (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. No entanto, em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a massa real.

Segundo os autores deste estudo, o conjunto de dados não pode ser explicado de forma consistente pela existência de um sistema planetário. Pelo contrário, modelos da atividade da estrela reproduzem melhor, por si só, as observações. Estes modelos interpretam as variações de velocidade radial como regiões ativas na superfície da estrela (por exemplo, manchas ou zonas brilhantes, tais com as existentes no Sol) que, à medida que a estrela completa uma rotação a cada 25 dias, ora surgem de um lado da estrela, ora se escondem do lado oposto. Estes modelos ajustam-se de tal modo ao sinal registado no espectro da luz da estrela que não deixam margem para a existência dos planetas anteriormente anunciada.

A precisão do ESPRESSO põe em evidência processos físicos nas estrelas, alguns ainda não completamente compreendidos, e que encobrem ou imitam o sinal produzido por planetas pequenos. Segundo Nuno Santos, coautor do artigo, investigador do IA, professor na FCUP, e coinvestigador principal do ESPRESSO, “este resultado mostra que, além da capacidade incrível que o ESPRESSO tem para procurar novos planetas, os dados recolhidos permitem ainda obter informações únicas sobre as estrelas e que nos dão a possibilidade de subtrair fontes de sinais que podem enganar as nossas observações.”

“Mas ainda é necessário entender melhor a forma como a atividade estelar pode afetar as variações de velocidade que medimos”, acrescenta João Faria, “e encontrar melhores métodos para analisar e retirar toda a informação dos dados.” Neste contexto, este investigador está a desenvolver uma ferramenta informática que permite usar riscas no espectro da estrela que são menos afetadas pela atividade desta.

“Esta é a primeira análise de dados do ESPRESSO e demonstra que o instrumento está a produzir velocidades radiais com a precisão esperada, e que será suficiente para detetar planetas parecidos com a Terra”, afirma João Faria.

 

Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço


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