«O ambiente precário generalizado e a falta de oportunidades afastam muitos jovens brilhantes de Portugal»
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Sou Professor Associado no primeiro Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias, recentemente criado na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Faço investigação na área de Microbiologia de ambientes extremos e sou responsável pela implementação do primeiro laboratório de Astrobiologia na China.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Trabalhar nesta área é verdadeiramente apaixonante! Tenho tido a oportunidade de participar e liderar várias expedições científicas e de visitar alguns dos ambientes mais extremos conhecidos à face da Terra (desde complexos de minas em Inglaterra, fossas abissais salinas no fundo do Mar Vermelho, ou salinas abandonadas em Cabo Verde). Alguns dos ambientes com que trabalho são tão inóspitos que foram considerados estéreis até há pouco tempo. A oportunidade de descobrir novos grupos de micróbios completamente desconhecidos e de descortinar quais as suas características, modos de adaptação e sobrevivência a condições tão extremas, ou possíveis aplicações biotecnológicas, é muito gratificante. Ser a primeira pessoa no mundo a estudar a microbiologia de um local extremo, depois de várias semanas no mar, ou observar um micróbio nunca antes visto são experiências únicas.
A exploração destes ambientes permite-me contribuir para a redefinição dos limites da Vida. Por outro lado, as semelhanças destes locais com as condições presentes em Marte, ou mesmo nos oceanos de Europa ou Encélado, permitem-me estar ligado ao sector da exploração espacial e contribuir para futuras missões que procurem sinais de vida nestes locais. De um ponto de vista mais filosófico, a minha área de investigação permite encontrar informações vitais para responder à pergunta mais importante que a Humanidade já se perguntou: “Será que estamos sós no Universo?”
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Desde que concluí a minha licenciatura em 2000 pouco tempo passei em Portugal, tendo trabalhado na Alemanha, Cabo Verde, Arábia Saudita, Reino Unido, e estando actualmente em Macau. Embarcar numa carreira de investigação académica nos dias de hoje pressupõe um certo espírito de aventura e disponibilidade para ir atrás das oportunidades onde quer que elas estejam. A verdade é que optar pelo estrangeiro abriu-me um leque de desafios e oportunidades a que não tinha acesso Portugal.
As experiências que tive no estrangeiro têm sido bastante diversas, mas uma das maiores surpresas foi o excelente nível de preparação com que saí da Universidade de Coimbra. Uma diferença completamente inesperada foi o grande nível de proximidade entre professores e alunos que encontrei no estrangeiro e uma maior agilidade das instituições para promover e fazer uso de redes de antigos alunos.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
A meu ver, a ciência em Portugal precisa de grandes mudanças. As políticas das últimas décadas apoiaram a formação de uma grande quantidade de novos investigadores, mas não criaram condições para os acolher. O ambiente precário generalizado e a falta de oportunidades afastam muitos jovens brilhantes de Portugal e as universidades portuguesas perdem competitividade e envelhecem a olhos vistos. A falta de renovação nas universidades Portuguesas é preocupante, visto que impede a transferência de saber entre gerações e a continuidade de linhas de investigação (que muitas vezes se perdem para sempre) quando se reforma um professor.
É verdade que a falta de financiamento crónico, e irregularidade dos concursos de financiamento causam danos, como apontado regularmente por várias instituições e investigadores. Mas igualmente críticas são a notória falta de cultura de cooperação interna e falta de transparência. Infelizmente, todos conhecemos casos dúbios de colocações e progressões de carreira desligadas do mérito dos candidatos que se perpetuam sem causar grande incómodo a nível institucional.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Considero o GPS uma excelente iniciativa! Acho que está a cobrir uma lacuna importante ao promover a formações de redes globais de investigadores portugueses, apesar de necessitar de aumentar a sua visibilidade. Creio que uma eventual extensão do conceito para todos os investigadores lusófonos poderia ser uma boa ideia para o futuro desta plataforma.
Consulte o perfil de André Antunes no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
© 2019 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
GPS / Fundação Francisco Manuel dos Santos
Veja outros artigos deste/a autor/a.
Escreva ao autor deste texto
Ficheiros para download Jornais que já efectuaram download deste artigo