«É urgente um Simplex a nível científico»
«A Ciência em Portugal é refém da burocracia. É incompreensível que a plataforma de candidatura de projetos nacionais seja tão complicada, e que a FCT demore um ano a divulgar os resultados das candidaturas.»
Entrevista:
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Eu sou Astrobióloga e Professora Associada no IST. Um cientista que trabalha na área da Astrobiologia investiga como surgiu a vida na Terra e se existe vida noutras partes do Universo. No meu caso eu analiso moléculas orgânicas em meteoritos de maneira a perceber de que forma estes objetos celestes contribuíram para a vida na Terra. Também desenvolvo métodos de deteção de vida extraterrestre para futuras missõesespaciais. Além disto, o meu dia a dia é muito variado. Dou aulas na Universidade, escrevo artigos científicos sobre os meus resultados, vou a conferências por todo o mundo para apresentar o meu trabalho (nos últimos meses estive no Japão, China, Países Baixos, Suíça, França, Alemanha, e na NASA nos Estados Unidos), supervisiono estudantes de doutoramento, tenho teleconferências com colaboradores para discutir o trabalho de equipa, tenho reuniões de trabalho na Agência Espacial Europeia, vou a escolas do ensino básico e secundário falar sobre Astrobiologia e sobre o dia a dia de um cientista, e dou entrevistas aos meios de comunicação social de todo o mundo.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
A procura de vida fora da Terra é um assunto que fascina qualquer pessoa. Isto é refletido não só na comunidade científica, mas no número de filmes e séries de TV sobre esse assunto. Obviamente que os cientistas que trabalham na área da Astrobiologia não andam à procura de homenzinhos verdes, mas sim de formas microscópicas que potencialmente possam existir noutros planetas do nosso sistema solar. Qualquer missão espacial a um planeta demora décadas, e implica investimento financeiro. Mas o retorno é enorme, não só a nível financeiro (contratos em empresas, indústria e centros de investigação) como a nível de aplicações no dia a dia. Por exemplo, o equipamento de combate a incêndios utilizado nos Estados Unidos é baseado no material desenvolvido pelo programa espacial Americano. As câmaras fotográficas dos telemóveis também resultam de desenvolvimentos do programa espacial.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Eu vivi quase 16 anos fora de Portugal, tendo vivido nos Países Baixos, Estados Unidos, Reino Unido e ainda passei uma temporada no sul de França. Tudo isto começou no quinto ano da minha licenciatura em Química, que era um estágio à escolha do aluno. Eu decidi que queria aplicar os meus conhecimentos de Química ao Espaço, e trabalhar em Astrobiologia, que nessa altura (2001) não existia em Portugal. Decidi que queria ser a primeira Portuguesa com um doutoramento nessa área e queria um dia mais tarde voltar a Portugal e colocar o nosso país no mapa dos países que têm um laboratório e trabalham em Astrobiologia. Escrevi a cientistas da NASA a perguntar o melhor sítio na Europa para trabalhar nessa área e todos me responderam os Países Baixos. Em Janeiro de 2002 fui para a Universidade de Leiden fazer o meu estágio de final de curso, e a experiência foi tão fantástica que decidi continuar e fazer um doutoramento (que comecei em 2003). Leiden é uma cidade estudantil que vive da sua Universidade, que é a mais antiga dos Países Baixos, onde passaram vários prémios Nobel e outros cientistas notáveis, entre eles Einstein, Bohr, Fermi e Ehrenfest. Leiden fica perto da Agência Espacial Europeia (ESA) onde fui e vou muitas vezes para ter reuniões de trabalho, e, portanto, toda esta envolvência cria um clima de satisfação que permite dar o máximo e ter sucesso no nosso trabalho. Durante o doutoramento viajei imenso, estive uma temporada na Universidade de Santa Barbara na Califórnia, dei várias apresentações em conferências, e fui cientista convidada na NASA. Passei duas temporadas na NASA Goddard em Washington DC nos Estados Unidos em 2005 e 2006. A NASA tem um ritmo de trabalho louco, começa-se a trabalhar muito cedo e acaba-se muito tarde, mas por outro lado foram-me dadas todas as condições financeiras e de equipamento no laboratório para analisar as minhas amostras. Ainda antes de defender o meu doutoramento eu tive várias ofertas de emprego, entre elas para ficar na NASA e outra para ir para o Imperial College em Londres. A oferta de emprego da NASA foi repetida várias vezes, mas eu decidi dizer não.
Em 2007 fui trabalhar para o Imperial College. Durante 2 anos trabalhei para uma futura missão espacial a Marte chamada ExoMars, que tem o objetivo de detetar potenciais sinais de vida extraterrestre em Marte. Entretanto, eu queria dar o salto de modo a ser tratada como membro permanente, e ter os meus próprios estudantes, e por isso candidatei-me a uma fellowship da Royal Society, que é a instituição científica em contínua existência mais antiga do mundo. Em 2009 ganhei 1 milhão de libras durante 8 anos, que é um dos prémios mais competitivos no Reino Unido e também muito prestigiante, e isto permitiu-me dar um salto na minha carreira. Esta foi uma oportunidade única, que me permitiu apostar em projetos e ideias arriscadas e de longa duração, que de outra forma eu não conseguiria realizar. Como sabemos a ciência demora tempo e persistência para obter bons resultados, mas em geral o nível de financiamento costuma ser muito mais curto (em geral de 3 anos, e no máximo de 5 anos). Por exemplo, um dos estudos que realizei foi mostrar que o impacto de cometas em planetas e luas geladas (de Júpiter e Saturno) origina um dos blocos fundamentais da vida, os aminoácidos, sendo mais uma potencial contribuição para a origem da vida no nosso sistema solar. Este estudo demorou no total 4 anos e foi publicado em 2013 na Nature Geoscience. Isto mostra claramente que para se fazer ciência de qualidade é necessário tempo e investimento/dinheiro. O meu tempo no Reino Unido permitiu-me também fazer comunicação de ciência. Durante os mais de 10 anos que vivi no Reino Unido dei mais de 100 entrevistas para TV, rádio e jornais de todo o Mundo, fui a várias escolas falar com estudantes, dei palestras em festivais de ciência e em Museus, e fiz mais uma série de atividades para explicar a Ciência, e em particular Astrobiologia para o público em geral. O Reino Unido é definitivamente o local ideal para ter formação e fazer Comunicação da Ciência. Por exemplo, em 2013 a BBC andava à procura de mulheres cientistas para apresentar programas de TV e rádio, e abriu um casting em que concorreram mais de 2000 candidatas. Eu fui uma das 60 pessoas escolhidas pela BBC, o que me permitiu ter treino nos seus estúdios de TV em Londres. As oportunidades profissionais durante os mais de 10 anos em Londres foram muitas, e proporcionaram episódios inesperados: participei num programa de rádio com o astronauta Britânico Tim Peake, falei sobre o meu trabalho com um membro da família Real (o Príncipe William), estive numa receção de trabalho no palácio de St James em Londres cujo anfitrião foi o Príncipe Andrew, fui recolher amostras para o meio do deserto na Austrália, e viajei quase todos os meses em trabalho para ir a uma conferência ou reunião em várias partes do Mundo. Todos estes anos fora de Portugal, e todas estas oportunidades moldaram e definiram a minha personalidade e a minha carreira.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
A Ciência em Portugal é refém da burocracia. É incompreensível que a plataforma de candidatura de projetos nacionais seja tão complicada, e que a FCT demore um ano a divulgar os resultados das candidaturas. É urgente um Simplex a nível científico. É também incompreensível que as “regras do jogo” dos projetos nacionais não sejam claras, e que projetos que apresentam secções/conteúdos iguais, mas submetidos para painéis diferentes, tenham pontuações diferentes. Por último, o grande problema não é tanto a falta de financiamento nacional por parte da FCT, mas a falta de consistência e previsibilidade da abertura dos concursos para financiamento de projetos científicos. Algo tão simples como ter todos os anos o prazo das candidaturas no Outono, e comunicar os resultados na Primavera a todos os investigadores ao mesmo tempo, iria sem sombra de dúvida melhorar a competitividade da ciência Portuguesa, e contribuiria para a estabilidade da mesma. Portugal tem uma comunidade científica excecional, e com uma produção científica de qualidade. Para manter esse nível de qualidade para as próximas décadas, e de forma a evitar uma nova leva de emigração científica é necessário injetar sangue novo nas Universidades e Centros de Investigação, abrindo verdadeiras posições permanentes (não apenas promoções na carreira), e dando assim estabilidade aos jovens cientistas.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
O GPS é uma ferramenta fundamental para criar pontes entre diferentes intervenientes. Permite colocar em contacto cientistas da mesma área de investigação ou até mesmo de áreas diferentes, fomentando desta forma novas colaborações. Mas acima de tudo, o GPS dá voz aos cientistas para mostrarem ao público o que andam a fazer e de que forma a Ciência Portuguesa contribui para a qualidade de vida de todos nós. Isto permite que o público veja de que forma o dinheiro investido está a ser gasto, mas também para inspirar os mais jovens a serem a próxima geração de cientistas. Por último, o GPS serve como lista e ponto de contacto para que os meios de comunicação social Portugueses contactem especialistas de uma determinada área quando necessitarem.
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