«Em França, os bolseiros têm direito a subsídio de desemprego – uma utopia em Portugal»
Entrevista a Joana Teixeira de Sousa, investigadora doutorada no Virginia Institute of Marine Science, nos Estados Unidos.
«Continuo a ver doutorados e mestres a viver de bolsas de curta duração, e uma vez terminadas, não terem direito a subsídio de desemprego ou qualquer apoio social. Tudo isto faz com que a maioria seja obrigada a sair do país ou então a mudar completamente de ramo.»
Entrevista:
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Sou bióloga e especializei-me em biologia marinha, mais concretamente na área da citogenética e na aquacultura de moluscos bivalves. Actualmente estou a finalizar o meu
primeiro pós-doutoramento num centro de selecção e melhoramento genético da ostra americana (Crassostrea virginica), inserido no Virginia Institute of Marine Science (College of William & Mary) em Virginia, EUA. Este centro, Aquaculture Genetics & Breeding Technology Center (ABC), visa produzir ostras com um desempenho superior para os aquicultores, como por exemplo uma melhor tolerância a doenças, maior crescimento e melhor sobrevivência. Para além da selecção e melhoramento da ostra diplóide (em que as suas células têm duas cópias de cada cromossoma - estado característico da maioria dos animais) também produzimos ostras triplóides e tetraplóides (ostras que possuem três e quatro conjuntos de cromossomas, respectivamente). Por ser estéril, a ostra triplóide canaliza toda a sua energia para o crescimento (em vez da reprodução) e apresenta também um melhoramento do teor de carne, sabor e textura, permitindo ser consumida durante todo o ano, e não apenas nos meses com “r”. Esta é uma técnica muito usada em espécies vegetais como a banana, o morango e a melancia que comemos diariamente, mas apenas nas últimas décadas se tem desenvolvido em bivalves, como neste caso a ostra.
No entanto, e apesar das suas indiscutíveis vantagens para a aquacultura, as ostras poliplóides apresentam instabilidade cromossómica, perdendo alguns destes cromossomas extra ao longo do seu desenvolvimento. O objectivo do meu trabalho é melhor compreender esta instabilidade cromossómica, a sua herdabilidade e possíveis consequências para o animal. Para além disso também ajudo com frequência a equipa técnica durante a época das desovas (Primavera/Verão) na maternidade, na manutenção do cultivo e saídas de campo.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
O que mais me entusiasma no meu trabalho é poder fazer um tipo de ciência com resultados práticos, ajudando de forma directa o sector industrial na produção de ostras, que têm um papel sócio-económico de extrema importância nesta região dos Estados Unidos. Graças ao desenvolvimento da aquacultura nesta região, o número de ostras tem vindo a aumentar exponencialmente, depois de esta espécie quase ter sido dizimada no início do século XX devido à sobrepesca, doenças e poluição. Para além do grande valor económico e gastronómico, as ostras têm também um papel fundamental no ecossistema, podendo cada animal filtrar entre 75 a 200 litros de água por dia, tornando-a mais limpa e transparente e permitindo uma maior incidência dos raios solares. Um animal incrível e com super poderes.
Outra das razões pela qual adoro o meu trabalho é a variedade de tarefas com que me deparo no meu dia a dia. De manhã posso estar no laboratório ao microscópio a procurar
cromossomas ou a contar larvas de ostra, como de tarde já posso calçar umas botas, entrar num barco e ir fazer trabalho de campo. É um trabalho muito dinâmico, que me dá destreza e capacidade de trabalhar em diversos ambientes.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Comecei o meu doutoramento em 2011 em Portugal (Tavira), no Instituto Português do Mar e da atmosfera (IPMA). A minha bolsa de doutoramento foi financiada por um projecto europeu que tinha a colaboração de várias instituições de diversos países. Através deste projecto acabei por ir para França em 2012, onde continuei a minha investigação no Instituto Ifremer (Brest). Durante o meu doutoramento também tive a oportunidade de trabalhar 3 meses em Itália, na Universidade de Pádua. Sem dúvida que a falta de opções para continuar o meu trabalho em Portugal me fez sair do país, mas em ciência, uma ou mais experiências no estrangeiro valoriza enormemente o currículo profissional, e por isso senti-me privilegiada.
O que mais me impressionou em França foi a qualidade da investigação que se faz, o profissionalismo de todos os investigadores e técnicos com quem me cruzei e os recursos materiais disponíveis para trabalharmos. Já para não falar do facto de todos os bolseiros terem direito a subsídio de desemprego (uma utopia ainda para Portugal). Em Itália achei o panorama científico muito parecido com o de Portugal, nomeadamente na falta de oportunidades para os jovens investigadores. No entanto, e como a maioria dos cientistas portugueses, todos eles com um enorme espírito de sacrifício e motivação em continuar a lutar para o bem da ciência que fazem. Nos Estados Unidos o que mais me impressiona é o facto da ciência não se limitar unicamente às universidades. Aqui é cada vez mais frequente o sector industrial contratar doutorados, reconhecendo que as capacidades desenvolvidas durante a trajectória académica trazem uma mais-valia para o sector.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Nos últimos anos tenho ouvido falar nas inúmeras tentativas e promessas do governo português em apostar no mar e no desenvolvimento da aquacultura e pescas. Tenho a esperança que não passem apenas de promessas e que realmente se consiga aproveitar este recurso tão presente no nosso país: o nosso mar e as nossas rias. No geral, e apesar das inúmeras promessas do ministro da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior em aumentar o emprego científico, ainda continuo a ouvir falar demasiado da precariedade deste ramo em Portugal. Continuo a ver doutorados e mestres a viver de bolsas de curta duração, e uma vez terminadas, não terem direito a subsídio de desemprego ou qualquer apoio social. Tudo isto faz com que a maioria seja obrigada a sair do país ou então a mudar completamente de ramo, como muitos dos meus colegas de licenciatura.
Gostava de ver o sector industrial do meu país a olhar para os cientistas de outra forma. Nem todos os doutorados têm de trabalhar em universidades, em institutos de investigação ou serem professores catedráticos, nem sequer há lugar para todos. As capacidades que desenvolvemos durante os anos de estudo e investigação dá-nos ferramentas únicas para sermos capazes disso, claro que sim, mas não só. Outra coisa que também faz falta em Portugal é a divulgação da ciência ao público em geral. Abram as vossas instituições uma ou duas vezes por ano, mostrem os vossos laboratórios e o que fazem lá dentro. Usem as redes sociais de uma forma lúdica, simples e divertida. Desenvolvam actividades interactivas com crianças e adultos e mostrem que não somos
(apenas) ratos de laboratório que só sabem conversar usando palavras difíceis que ninguém entende.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Qualquer ferramenta que ajude na divulgação da ciência é decerto bem-vinda. Com cada vez mais cientistas portugueses a abandonarem o país, por opção ou necessidade, faz todo o sentido o GPS existir. É bom saber onde andamos nós, cientistas portugueses, e o que andamos a fazer para o avanço da ciência em todo o mundo.
Consulte o perfil de Joana Teixeira de Sousa no GPS.
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