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O que acontece quando a serotonina aumenta no cérebro humano?

14 Mar 2018 - 14h41 - 5.741 caracteres

Pensava-se que o neurotransmissor serotonina actuava, muito provavelmente, inibindo os comportamentos. Cientistas do Centro Champalimaud acabam de mostrar que esta ideia está errada.

 

O que acontece quando os níveis de serotonina aumentam no cérebro humano? Esta é uma questão de grande interesse para os neurocientistas: sabe-se que a serotonina tem múltiplas funções no cérebro, mas perceber o que esta substância efetivamente faz representa uma tarefa monumental. Além disso, sabe-se ainda que a serotonina está na base de toda uma classe de medicamentos antidepressivos, o mais conhecido sendo o Prozac, que aparentemente funcionam aumentando os níveis de serotonina no cérebro humano.

Estudos anteriores sugeriam que o aumento dos níveis de serotonina torna os animais (incluindo os seres humanos) mais predispostos a esperar por uma recompensa. Por outras palavras, torna-os mais pacientes. Estes resultados eram compatíveis com a ideia, aceite por muitos, de que a serotonina atua inibindo os comportamentos, isto porque em muitos casos a paciência exige adiar uma ação.

É esta ideia que acaba de ser posta em causa por uma equipa internacional liderada por neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa. Os seus resultados foram publicados na revista Nature Communications (https://www.nature.com/articles/s41467-018-03438-y).

Este novo estudo mostra que a serotonina promove mais do que uma espera passiva – mais do que a simples paciência. O aumento dos níveis de serotonina aumenta a persistência ativa na realização de uma tarefa, mesmo em situações em que não há certeza de que se vai receber uma recompensa. Ser persistente significa continuar a desempenhar ativamente uma tarefa, mesmo que ela seja desagradável (como fazer os trabalhos de casa), enquanto muitas formas de paciência só exigem disponibilidade para esperar, sem fazer nada.

Acontece que as tarefas utilizadas nos estudos anteriores não permitiam distinguir entre paciência e persistência. Mas neste novo trabalho, Eran Lottem (o primeiro autor do artigo) e os seus colegas desenvolveram uma tarefa que é de facto muito parecida com a situação com que se defrontam os animais quando à procura de comida no mundo real.

“Tínhamos algumas pistas que sugeriam que o efeito inibitório da serotonina não era generalizado. Alguns comportamentos não eram afetados pela serotonina”, diz Lottem. “Mas nunca tínhamos visto um comportamento ativo promovido pela serotonina. Esta é, tanto quanto sei, a primeira vez que um comportamento deste tipo é observado quando os neurónios produtores de serotonina são ativados.”

A tarefa agora utilizada consistiu em dar aos ratinhos a escolher entre dois locais para beber, cada um situado numa das extremidades de uma caixa retangular comprida. Num dado momento, apenas um destes bebedouros estava pronto para fornecer água, fazendo com que os ratinhos tivessem de andar de uma extremidade para a outra da caixa para receberem água. Para isso, tinham de bater com o focinho no bebedouro.

Na realidade, de forma a simular a imprevisibilidade das situações do mundo real, os cientistas fizeram com que mesmo o bebedouro ativo nem sempre deitasse água. Os ratinhos tinham assim de aprender a tolerar alguns insucessos quando tocavam com o focinho. Isto permitiu à equipa medir a persistência dos animais: para isso, contaram o número de toques que os animais estavam dispostos a dar de forma a tentar obter água num bebedouro “seco” (ou seja, que tinha deixado de fornecer água).

Uma vez a tarefa otimizada, os cientistas utilizaram uma tecnologia chamada optogenética para estimular os neurónios produtores de serotonina através de impulsos de laser transmitidos por uma fibra ótica implantada no cérebro dos animais.

“O que vimos então foi que, quando esses neurónios eram estimulados, os animais tornavam-se mais dispostos a tocar com o focinho durante mais tempo, mesmo quando não recebiam água”, diz Lottem. Portanto, a serotonina não estava a inibir o seu comportamento, uma vez que, a ser esse o caso, teriam desistido mais cedo de tentar obter água.” E conclui: “a ativação dos neurónios produtores de serotonina promove a persistência ativa e não meramente a paciência.”

Zachary Mainen, que liderou o estudo, sugere que os resultados poderão, em última instância, ajudar a perceber melhor como tratar a depressão, uma doença em que a serotonina está envolvida. “A diferença entre a paciência e a persistência pode parecer subtil, mas a implicação deste resultado não o é: pode ser a diferença entre ficar na cama, enquanto lá fora a vida continua, ou saltar da cama todos os dias para abraçar a vida.”

 

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Legenda da imagem anexa: Para elucidar as funções biológicas da serotonina, utiliza a técnica chamada optogenética, que permite controlar diretamente, com luz laser, a atividade dos neurónios produtores de serotonina no cérebro.  Crédito da imagem: Centro Champalimaud/ Sara Matias

 

 

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