Como o cérebro aprende a fazer “replay” para obter mais prazer
Pela primeira vez, cientistas conseguiram ver como o cérebro do ratinho aprende a repetir padrões de atividade neural que produzem uma sensação de prazer. Até agora, os mecanismos cerebrais que comandam este tipo de aprendizagem nunca tinham sido medidos diretamente.
Este trabalho fornece importantes pistas sobre a forma como a atividade cerebral é moldada e refinada à medida que os animais aprendem a repetir comportamentos que suscitam uma sensação de prazer. Os resultados também sugerem novas estratégias para lidar com perturbações caracterizadas por comportamentos repetitivos anormais, tais como a adição e a perturbação obsessiva-compulsiva (POC).
O estudo, liderado por cientistas da Universidade Columbia, em Nova Iorque; do Centro Champalimaud, em Lisboa, e da Universidade da Califórnia, foi publicado na edição de 2 de Março de 2018 da revista Science (http://science.sciencemag.org/content/359/6379/1024).
“Não é segredo para ninguém que temos prazer em fazer coisas das quais gostamos, como jogar o nosso jogo de vídeo favorito”, diz Rui Costa, investigador principal do Centro Champalimaud e da Universidade Columbia. “Os resultados publicados revelam que o cérebro aprende a selecionar os padrões de atividade que produzem sensações de bem-estar e que se remodela para reproduzir esses padrões de maneira mais eficiente.”
“Nos nossos anteriores trabalhos, mostrámos, através de um modelo de interface cérebro-máquina, que os padrões de atividade neural que levam a uma recompensa são repetidos com maior frequência e progressivamente consolidados, diz José Carmena, da Universidade da Califórnia, que co-liderou o estudo com Rui Costa. “Essa investigação prévia serviu de base para agora percebermos a forma como esses padrões de atividade poderão ser o motor da aprendizagem no cérebro.”
“A descoberta anunciada funda-se no nosso trabalho anterior e pode permitir explicar como funciona a aprendizagem por repetição, podendo também servir para elucidar o que acontece nos comportamentos aditivos ou obsessivos-compulsivos, em que o circuito de feedback que liga a ação à recompensa fica descontrolado”, acrescenta Costa.
Normalmente, fazer algo agradável faz com que os neurónios libertem uma substância chamada dopamina. É esta libertação que produz a sensação de bem-estar, suscitando o desejo de repetir a ação vezes sem conta. Um exemplo muito ilustrativo deste fenómeno é o que acontece com os jogos de vídeo.
“Quando mexemos no comando do jogo exatamente da maneira certa para atingir a pontuação máxima, o nosso cérebro lembra-se de como executou essa ação – de quais foram os neurónios que se ativaram e o padrão de ativação. Assim, o cérebro consegue recriar o mesmo movimento da próxima vez que jogarmos”, diz Costa. “Após repetidas tentativas, o nosso cérebro aumenta a sua capacidade de recriar esse padrão de atividade neural e a nossa forma de jogar melhora.”
Para a equipa, isto levantou imediatamente a pergunta seguinte: será que o cérebro pode ser treinado para aprender o padrão certo de atividade normalmente envolvido na vivência de algo que dá prazer e a seguir reproduzir o padrão quando quiser, para desencadear a libertação de dopamina?
Numa série de experiências em ratinhos, os cientistas desenvolveram um programa de computador que associava a atividade neural no cérebro dos animais a notas de música, de forma a que, quando um grupo de neurónios era ativado, fosse gerada uma dada nota. Diferentes padrões de atividade neural resultavam em combinações diferentes de notas musicais. E quando os padrões de atividade neural desencadeavam a ordenação certa das notas (arbitrariamente determinada por um computador), os cientistas libertavam manualmente dopamina no cérebro dos animais.
Os ratinhos rapidamente aprenderam qual era o arranjo musical que, ao ser reproduzido, provocava a libertação de dopamina e uma sensação de bem-estar. Os seus circuitos cerebrais começaram então a alterar-se para ouvir essa canção com mais frequência, provocando assim, de cada vez, o “chuto” de prazer devido à dopamina.
“Essencialmente, os ratinhos aprenderam a repetir o mesmo padrão de atividade cerebral que tinha previamente sido suscitado pela audição daquelas notas de música”, diz Vivek Athalye, o primeiro autor do artigo, da Universidade da Califórnia.
Segundo os investigadores, estes resultados constituem um exemplo notável da Lei de Thorndike – um velho princípio de psicologia que estipula que as ações que conduzem a reforços positivos são repetidas com maior frequência. E mais: representam a primeira observação direta deste princípio no cérebro.
“De certa maneira, estes resultados eram totalmente expectáveis”, diz Costa. “Faz sentido que o cérebro simule a sensação de recompensa produzida por uma experiência agradável gerando o padrão correspondente de atividade neural. Mas isso nunca tinha sido testado.”
“Este trabalho também tem importantes implicações para o desenvolvimento de neuroterapias avançadas, ou seja de sistemas capazes de tratar as causas subjacentes das perturbações cerebrais modificando os padrões de atividade neural dos doentes”, diz Carmena.
“Por exemplo, quando os padrões de atividade neuronal do cérebro ficam descontrolados, como acontece frequentemente nas pessoas com adição ou POC, será que poderíamos criar um programa de computador que ajudasse a treinar de novo o cérebro para diminuir a frequência dessa atividade?”, pergunta Costa. “É uma possibilidade que estamos a explorar ativamente.”
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Legenda da imagem:
Os circuitos cerebrais modificam-se para aumentar a frequência de libertação de dopamina, a "hormona da recompensa". Crédito da imagem: Gil Costa
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