«Portugal já não é a pequena aldeia de cientistas que existia após o 25 de Abril »
Entrevista a Nuno Boavida, Subdirector do Observatório de Avaliação de Tecnologia e investigador do CICS.NOVA.
«Um dos problemas mais críticos do Portugal de hoje é conseguir encontrar formas de reter recursos humanos ligados à ciência e tecnologia no país, pois essa continua a ser a única via que vislumbro para nos mantermos na corrida com as sociedades tecnologicamente mais desenvolvidas.»
Entrevista:
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Neste momento estou envolvido num projeto de investigação que pretende determinar o tipo de conhecimento que circula, é utilizado e é rejeitado nas redes de inovação ligadas à mobilidade elétrica. O projeto consiste em vários estudos de caso internacionais de mobilidade sustentável, que irão investigar a relação que os decisores políticos e empresariais têm, durante as suas decisões, não só com o conhecimento científico formal, mas também com o conhecimento tácito existente nas suas redes de contactos. Pretende-se conhecer como funcionam estas redes de inovação, qual o papel do capital social e da confiança entre os agentes de inovação na transmissão de conhecimento, e as rotinas associadas à utilização de conhecimento em condições de grande incerteza e complexidade.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Se soubermos como circula, se utiliza e se estrutura socialmente o conhecimento explícito e tácito nas sociedades mais intensas em tecnologia, podemos contribuir para mudar este sistema sociotécnico atualmente estagnado no motor de combustão e orientá-lo, no futuro, para a mobilidade elétrica sustentável. Ao estudar um fenómeno tão recente e cada vez mais frequente nas sociedades mais desenvolvidas, temos também a esperança de poder vir a retirar conclusões mais gerais sobre como lidam as redes de inovação com os vários tipos de conhecimento e com a tecnologia.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Estive quatro anos a investigar na Alemanha no Karlsruhe Institute of Technology (KIT), com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Quando para lá fui viver, a área da Avaliação de Tecnologia era ainda muito embrionária em Portugal, pois carecia de investigadores especializados no apoio às decisões de cariz tecnológico e que envolvessem a sociedade. Este período permitiu recolher dados, críticas, sugestões e, por último, escrever a minha tese de doutoramento sobre o papel dos indicadores nas decisões de inovação tecnológica. A estadia no KIT foi singular na medida em que permitiu contar com o apoio do maior, mais diverso e mais antigo grupo de investigadores a trabalhar em Avaliação de Tecnologia, e beneficiar da formação e experiência do instituto neste tipo de investigação bastante interdisciplinar. Foi muito inesperado encontrar engenheiros, economistas, filósofos e sociólogos nas mesmas equipas de trabalho.
Na Alemanha, encontrei uma realidade académica significativamente diferente da portuguesa. Por um lado, o aparelho científico e tecnológico alemão está alicerçado numa tradição antiga de apoio à investigação, e estruturado para desenvolver não só investigação básica e aplicada com enorme sucesso, mas também para apoiar o desenvolvimento experimental junto das indústrias alemãs, em vários sectores económicos de maior ou menor intensidade tecnológica. Para além disso, o complexo sistema de ensino público alemão permite a preparação de vários perfis de alunos que, com facilidade, se integram na realidade socioeconómica alemã. A combinação destes e outros fatores geram um mercado de trabalho para investigadores significativamente mais vasto e competitivo do que o nosso, com saídas não só para o ensino, mas também para investigação e mundo empresarial.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
O panorama é ainda muito insuficiente para quem quer iniciar investigação em Portugal, embora se deva reconhecer que o país já não é aquela pequena aldeia de cientistas que existia após o 25 de Abril. A entrada de Portugal para as Comunidades Europeias permitiu começar a montar alguns dos alicerces de um sistema científico e tecnológico, encontrando vias de financiamento, criando um ministério e implementando uma carreira de investigação. É importante reconhecer que montar um sistema científico e tecnológico terá sido uma tarefa muito delicada e exigente, em particular quando se tem em conta que Portugal era uma sociedade em vias de desenvolvimento ou que as empresas lutavam para pagar o salário mínimo a muitos trabalhadores.
No entanto, é também importante ter em consideração que um cientista de regresso a Portugal muito dificilmente consegue encontrar uma posição, mesmo que temporária, numa empresa, universidade ou centro de investigação. Julgo que um dos problemas mais críticos do Portugal de hoje é conseguir, com pouco apoio político e uma pequena base social, encontrar formas de reter recursos humanos ligados à ciência e tecnologia no país, pois essa continua a ser a única via que vislumbro para nos mantermos na corrida com as sociedades tecnologicamente mais desenvolvidas.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
A iniciativa é muito bem-vinda e útil, pois permite de forma simples começar a mapear e caracterizar os cientistas portugueses que, por força de serem cientistas, necessitam de trocar ideias e formar redes externas de conhecimento. Para além disso, esta iniciativa permite desenvolver contactos e relações de confiança imprescindíveis para que se possa fazer ciência. Faço também votos de que o GPS sirva para atrair cientistas para o nosso sistema, e abrir a nossa ciência ao mundo, recebendo estrangeiros e enviando portugueses para os grandes centros de produção de conhecimento mundiais contemporâneos.
Consulte o perfil de Nuno Boavida no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
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