«Há uma óbvia falta de estratégia de empregabilidade na gestão da ciência em Portugal»
Por: GPS / Fundação Francisco Manuel dos Santos
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Trabalho como cientista no Max Planck Institute for Plant Breeding, em Colónia. Estudo o desenvolvimento de plantas como o trigo e a cevada, de maneira a perceber os mecanismos que controlam a produção de sementes em maior número e de maior qualidade. Esses mecanismos estão relacionados com factores ambientais, como intensidade solar, temperatura e disponibilidade de água, e com factores genéticos que controlam fases específicas no desenvolvimento e ciclo de vida da planta. Apesar de já sabermos que em determinadas condições ambientais a presença de alguns genes está directamente relacionada com um maior número de sementes, ainda não se conhece o processo exacto através do qual eles actuam - e é isso que se pretende saber! O trigo e a cevada são cereais importantíssimos para a alimentação mundial, e conhecer os mecanismos que aumentam a sua produtividade irá contribuir para assegurar disponibilidade alimentar no futuro.
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
Uma das razões pelas quais este tópico me atraiu é a proximidade entre a ciência e problemas reais actuais. Por um lado, as plantas são fascinantes porque não se conseguindo mover nem proteger de adversidades, conseguem ainda assim resistir e prosperar. Continuo a surpreender-me com as estratégias criativas que encontram para se desenvolverem e superarem condições ambientais adversas. Além disso, no contexto actual, em que a população continua a aumentar e os recursos são cada vez mais escassos, é fundamental perceber em detalhe quais as condições em que conseguimos aumentar a produtividade de culturas tão importantes para a alimentação mundial. A par de outras soluções, como melhorar o acesso a alimentação de qualidade em certas zonas do globo, desenvolver variedades mais produtivas e resistentes é mais uma estratégia para assegurar food security a toda a população. Este projecto tem-me permitido envolver em iniciativas relacionadas com a comunicação com o público em geral sobre ciência e a disponibilidade alimentar, de maneira a chamar a atenção para estes problemas. Outro grande desafio tem sido desmistificar alguns equívocos em relação a alimentos geneticamente modificados.
Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?
Decidi fazer o doutoramento no estrangeiro porque queria conhecer outros cientistas e instituições, e alargar a minha rede científica. Além disso, achei que seria uma experiência pessoal enriquecedora e me iria permitir conhecer outros países, pessoas, e culturas. Surgiu a oportunidade de fazer o doutoramento na Bélgica com uma bolsa Marie Curie numa Initial Training Network, o que me permitiu conhecer e trabalhar com dez grupos de investigação em diferentes países europeus. Profissionalmente foi também muito importante contactar directamente com empresas onde a investigação é feita, o que seria muito difícil em Portugal. Por exemplo, o meu doutoramento foi feito na Bayer CropScience em Gent, Bélgica, e foi muito interessante ver como é feita a articulação com as Universidades, e que é possível fazer investigação científica de qualidade numa empresa de grande dimensão. Depois do doutoramento comecei um pós-doutoramento no Max Planck Institute no projecto em que trabalho actualmente, e passado um ano consegui financiamento próprio através da Fundação Alexander von Humboldt para continuar a desenvolver este projecto.
Surpreendeu-me a possibilidade de fazer investigação e carreira científica em meios empresariais, porque tinha a ideia de que em Portugal para se fazer investigação teríamos de estar ligados a meios académicos. Tenho descoberto uma multiplicidade de opções de carreiras duradouras não só a fazer investigação dita mais “pura”, mas também em áreas associadas, como Propriedade Intelectual, Science Policy, ou Regulatory Affairs. Há uma perspectiva muito maior de evolução de carreira e de continuar ligado à ciência de maneiras muito distintas.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
Apesar de ter saído de Portugal há mais de seis anos, logo após o fim do Mestrado, continuo a seguir com interesse o panorama científico português. Em Portugal há cientistas brilhantes e a desenvolver trabalho de altíssima qualidade, em áreas muito variadas. Penso no entanto que a investigação está ainda muito desligada do meio empresarial, e apesar de se continuar a investir bastante na formação há uma óbvia falta de estratégia de empregabilidade. Enquanto o financiamento depender tanto de uma única fonte, nao vai ser fácil dinamizar e atrair mais cientistas e estudantes para a Ciência.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
Uma das grandes vantagens é criar uma rede de contacto entre cientistas portugueses a trabalhar em áreas diferentes, o que pode estimular projectos comuns. Também permite dar a conhecer aos portugueses os seus cientistas e os projectos que eles desenvolvem. Esta é uma das primeiras plataformas que conheço que consegue disponibilizar esta informação e torná-la acessível a um público alargado.
Consulte o perfil de Filipa Tomé no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
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