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O que está na base dos movimentos

05 Jan 2018 - 14h55 - 7.090 caracteres

O comportamento motor poderá consistir num leque contínuo de possíveis movimentos ou, alternativamente, por sequências de movimentos distintos, isto é, não contínuos. Novos resultados apontam para a segunda possibilidade, pelo menos no peixe-zebra.

Para conseguir sobreviver num ambiente em constante mudança, os animais e os humanos precisam de integrar informação sensorial com a sua experiência de forma a selecionar o comportamento mais adequado a cada situação. Este processo é condicionado, em última análise, pelo leque de possíveis respostas motoras que uma dada espécie consegue produzir.

Porém, dois cenários bastante diferentes poderão estar em jogo na construção destes movimentos, o que tem gerado algum debate entre especialistas. Uma possibilidade é que o cérebro seja capaz de produzir qualquer movimento arbitrário; a outra é que precise de selecionar movimentos possíveis dentro de um conjunto predefinido de tipos de movimentos. É crucial perceber a maneira como os animais organizam os seus movimentos porque esta reflete a forma como funcionam os neurónios que, no cérebro, controlam o comportamento.

Até aqui, tem sido difícil desemaranhar, através de experiências de laboratório, estes dois possíveis cenários (a existência de um leque contínuo de movimentos vs. a de componentes motores não contínuos). Isto porque alguns comportamentos apenas acontecem em condições muito específicas e porque as diferenças entre os movimentos podem refletir estrutura na apresentação dos estímulos e não a resposta motora.

Agora, num novo estudo publicado na revista Current Biology (http://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(17)31604-4), uma equipa de neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, analisou os movimentos de larvas de peixe-zebra recorrendo a um programa de computador para determinar se a segunda hipótese – a ideia de que as sequências de comportamento motor são compostas de “peças de Lego”, por assim dizer – estava efetivamente na base do comportamento destes animais.

“O nosso objetivo era descobrir qual era o repertório de movimentos que uma espécie possui e de que forma movimentos mais simples eram utilizados sequencialmente para produzir movimentos mais complexos”, diz João Marques, primeiro autor do estudo.

Utilizando um método desenvolvido no laboratório de Michael Orger para seguir o movimento dos peixes enquanto nadam com uma resolução espacial e temporal muito elevadas, os cientistas registaram milhões de movimentos em milhares de larvas de peixe-zebra durante um amplo conjunto de comportamentos. “Ao medir o comportamento de um número tão grande de animais num número tão elevado de contextos, existe uma grande probabilidade de termos feito uma amostragem da maioria dos tipos possíveis de movimentos que estes animais são capazes de executar”, salienta Marques.

A equipa, liderada por Orger, também desenvolveu um sistema computadorizado para medir automaticamente – e, portanto, de forma não enviesada – o comportamento dos peixes-zebra numa grande diversidade de situações. “Visto que não se sabia quantos tipos de movimentos são usados por estes animais, queríamos ter a certeza de que a nossa avaliação não seria enviesada por uma visão humana das coisas. Por isso, criámos um algoritmo computacional que identifica os tipos de movimentos e aplicámo-lo aos nossos dados”, explica ainda Marques.

Desta maneira, a equipa conseguiu revelar que as larvas de peixe-zebra usam 13 padrões de movimento diferentes que combinam, ao nadar, para responder às diferentes situações. “O que é surpreendente”, acrescenta Marques, “é que uma abordagem computacional não enviesada pode ser utilizada para identificar diferentes tipos de movimentos e revelar novas características comportamentais que não são óbvias para um observador humano. À semelhança da música, que é feita de notas, os comportamentos complexos tal como a caça ou a interação social são formados a partir de um pequeno conjunto de tipos de movimentos ordenados em sequências específicas.”

Resumindo: recorrendo a um método computacional objetivo que corrige potenciais enviesamentos para avaliar o comportamento, e medindo o comportamento num amplo leque de situações, a equipa descobriu que, pelo menos nas larvas de peixe-zebra, os comportamentos são compostos de um conjunto de movimentos simples que são combinados com flexibilidade nos diferentes contextos comportamentais.

Os cientistas fazem ainda notar que o método que criaram para este estudo poderá ser adaptado a outras espécies animais, incluindo os seres humanos. “Talvez seja possível descobrir se outras espécies também possuem conjuntos de movimentos de base – e, se for o caso, identificar o repertório motor particular de cada uma”, diz Marques.

A análise do funcionamento destes sistemas motores poderá contribuir para o desenvolvimento de robôs móveis. Por outro lado, o peixe-zebra é cada vez mais utilizado como modelo experimental para estudar os mecanismos de doenças neurológicas humanas. O seu cérebro tem muitas características em comum com o cérebro humano e o de outros vertebrados, e ao mesmo tempo é um milhão de vezes mais pequeno, o que faz com que os seus circuitos neurais sejam muito mais acessíveis à experimentação.

Perceber como o peixe-zebra seleciona e executa os seus diversos movimentos – e como este processo é perturbado na doença – pode também dar pistas sobre o que acontece em situações semelhantes noutros animais e até nos seres humanos. Isto poderá um dia ajudar a perceber melhor e a desenvolver tratamentos para combater doenças neurológicas comuns causadas por disrupções nestes sistemas motores.

 

 

Legenda da ilustração anexa: Exemplos de movimentos de larvas de peixe-zebra, representados pela posição da cauda ao longo do tempo. As cores marcam a passagem do tempo (azul no início do movimento e vermelho no fim). Crédito: João Marques

 

 

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