Regra simples explica padrões complexos de movimento em grupo
Observar o movimento suave gerado por centenas de peixes enquanto nadam em uníssono é algo fascinante. Mas não é apenas pela beleza, que os cientistas do laboratório de Comportamento Coletivo do Centro Champalimaud, em Lisboa, passam tantas horas a olhar para este padrão complexo de movimento. É também pelo facto do seu aparecimento ser algo muito difícil de explicar.
Num artigo publicado no dia 13 de fevereiro de 2017 na revista científica PNAS, investigadores do Centro Champalimaud, apresentam uma regra surpreendentemente simples para explicar como surgem os padrões complexos de movimento coletivo no peixe-zebra à medida que este animal se desenvolve – desde a fase larval até à idade adulta.
"Há muitos modelos que tentam explicar como é que a natação coletiva emerge em grupos de peixes, mas muitos deles ficam aquém do objetivo e isso deve-se a dois desafios principais", diz Gonzalo de Polavieja, investigador principal do laboratório de Comportamento Coletivo. "O primeiro é poder contar com conjunto de dados poderoso, isto é, ter acesso a dados suficientes que nos permitam seguir de forma confiável cada indivíduo no grupo. Isso é bastante difícil, pois os peixes movem-se em três dimensões e são fisicamente muito semelhantes. Quanto mais animais quisermos observar ao mesmo tempo, mais difícil se torna. E o segundo, que é ainda mais desafiador, é conseguir construir um modelo que não imita apenas o comportamento, mas é capaz de revelar as regras que os próprios animais usam.”
No estudo agora publicado, de Polavieja, juntamente com Robert Hinz, um estudante de doutoramento no laboratório, aplicou uma abordagem original para superar esses desafios. "A maioria dos estudos são realizados em animais adultos, para os quais os padrões de movimento coletivo são os mais óbvios. Em vez disso, nós decidimos observar o aparecimento da natação coletiva à medida que o animal se desenvolve. Embora os zebrafish quando são jovens não nadem frequentemente em grupo, acaba por gradualmente desenvolver os padrões de movimento em cardume durante o primeiro mês de vida, formando eventualmente grandes grupos quando adultos. O facto de termos seguindo os peixes desde tenra idade, permitiu-nos obter um conjunto de dados muito completo e foi dessa forma que descobrimos uma regra comportamental muito forte".
Usando este extenso conjunto de dados e um método sofisticado para seguir os peixes - chamado idTracker, anteriormente desenvolvido por este mesmo laboratório -, os investigadores testaram uma série de regras que poderiam explicar o comportamento. Para sua surpresa, a regra mais simples foi a que prevaleceu: a regra de atração aleatória. "Em teoria, os peixes poderiam estar a usar várias estratégias diferentes para decidirem onde nadar. Podiam, por exemplo, escolher nadar em direção ao peixe mais próximo, ou ao mais distante, ou em direção a uma maior densidade de peixes, nós testamos muitas opções. Mas descobrimos que a forma como os peixes escolhem qual o peixe que vão seguir é literalmente aleatória.“
Mas então se o peixe faz esta escolha de forma aleatória, porque é que os peixes mais jovens não formam cardumes mas os adultos sim? "Descobrimos que os padrões de grupo se tornavam mais proeminentes nos adultos porque, quando comparados com os animais mais jovens, eles passam menos tempo nadando de forma independente e mais tempo seguindo outros peixes", explica de Polavieja. "Embora a regra de atração aleatória permaneça a mesma durante o desenvolvimento, os peixes mais jovens gastam apenas 1% do tempo a aplicá-la. À medida que os peixes se desenvolvem, esse tempo aumenta exponencialmente até atingir 50% no adulto. Usando esta regra simples, os animais adultos são mais propensos a moverem-se para onde existe uma alta densidade de peixes, sem formarem agregados, e fazendo com que o movimento do grupo apareça.”
De acordo com Polavieja, o modelo que eles desenvolveram não só explica como é que os peixes formam o movimento coletivo, como também supera o segundo desafio, isto é, permite revelar a regra que cada peixe individualmente está a seguir. "É fácil produzir regras que tornam os modelos parecidos com o que está ‘realmente a acontecer’. Não é batota, mas muitas vezes é necessário introduzir parâmetros extras para que os modelos consigam imitam com êxito os dados. O jackpot dos modelos é, no entanto, aquele que com o menor número de parâmetros, consegue melhor imitar os dados reais. A regra que nós encontrámos, embora matematicamente complexa, consegue fazer previsões que são independentes de quaisquer parâmetros fixos, e depende apenas das variáveis experimentais, como é o caso do número de peixes no tanque, o que torna o nosso modelo muito robusto.”
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